CARMEN SEREJO, IN LIMBO, 2023

Exposição integrada na 10.ª edição do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes, mostra-se na Casa da Cultura de Avintes, de 29 de abril a 31 de maio de 2023.

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O iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes abriu ao público no passado dia 29 de abril, no entanto , por diversas razões, só hoje início um conjunto de publicações sobre algumas das exposições do Festival e cuja publicação se prolongará para além deste (de outras exposições, já publiquei em tempo, a propósito da edição de algum livro ou outros eventos).

Começo com a que é, para mim, a exposição mais profunda e significativa: “In Limbo”, de Carmen Serejo, na qual a artista alerta, através de representações ficcionadas, para o terrível drama dos refugiados.

Estas representações ficcionadas, por não serem o retrato individual que se faz coletivo, tornam-se no retrato simbólico e coletivo de quem vive cada uma destas realidades. Tornam-se, pois, símbolos, com uma expressão e uma força imensa, universal.

Acompanha a exposição uma publicação, edição da autora, que integra textos de José Soudo, Pedro Neto e da própria autora, em português e inglês, e que reproduz uma parte das imagens do projeto. É com ela que falo, também, da exposição.

O projeto conta com o apoio institucional da Amnistia Internacional.

Este projeto, pela força e poder que emana, bem merece um olhar profundo da Amnistia Internacional (ou das Nações Unidas) e uma edição de maior dimensão e em mais línguas, para uma distribuição universal.

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Carmen Serejo

In Limbo. A vida não é garantida. Life is not guaranteed

Fotografia: Carmen Serejo / Texto: José Soudo, Pedro Neto, Carmen Serejo

Sintra. Autor / Abril . 2023

Português e inglês / 24,0 x 17,0 cm / 60 pp., não numeradas

Capa mole / [100 ex.]

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A ti, que carregas contigo a divisa de força, coragem e vitória.

A ti, porque acredito que quem quer que sejas e de onde quer que venhas, deves ter o direito a um lugar seguro para viver e começar de novo.

Carmen Serejo

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Este livro inicia-se com os ensaios escritos e, depois, ao longo de 13 capítulos, outras tantas realidades geradoras de refugiados: um breve texto de enquadramento para os correspondentes ensaios fotográficos.

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José Soudo, fotógrafo, curador e investigador em História da Fotografia, curador do projeto (embora diga que se limitou a acompanhar a artista), escreve um profundo ensaio, do qual transcrevo uma pequena parte:

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OS TRANSPARENTES

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Carmen Serejo pretende, com este projecto – In Limbo – honrar os milhões de deslocados, refugiados e apátridas, privados dos seus mais elementares direitos, os quais estão a viver experiências muito traumáticas e se encontram espalhados pelas mais diversas geografias do mundo.

Aceitei e abracei desde o primeiro minuto o convite para colaborar na construção do mesmo, não como curador, como a autora me designa, mas como o amigo que colabora com uma amiga na construção de algo em que também acredita.          

Quando o projecto me foi apresentado, senti no olhar e propósito da autora todo o engajamento de quem sabe o que pretende, pois vivenciou o que é estar no limbo, razão mais do que suficiente para desejar colocar perante todos nós, fotografias e textos que nos façam reflectir sobre os caminhos que devemos e ainda poderemos trilhar, pela causa destes outros de nós, que tiveram a desdita de nascer, ou estar erradamente, no sítio errado.  

Como saberemos, são milhões os deslocados nas várias zonas do globo, pelo que se poderá inferir que são milhões as vidas que se encontra em enorme sofrimento.     

É sobre isto que este projecto se debruça.

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Terão morrido?

Terão desaparecido? 

Terão sido expulsos e devolvidos aos seus países de origem, como a Síria, o Afeganistão, o Sudão do Sul, a Eritreia, a República Centro Africana, o Iraque, a Somália, a República Democrática do Congo, o Burundi, ou a Nigéria… ?        

De momento, nada se sabe.  

De momento, muito pouco se sabe.

De momento, muito pouco se deseja saber deles.  

Todos, ou quase todos, passaram à situação de estarem na fronteira da inexistência, porque estão no limbo e porque passaram à situação de transparentes.

Se assim é, nestas terras de ninguém, como estará a ser nas outras terras de ninguém, nas outras fronteiras e nos outros cenários de desconsolo e   que não são apenas ali?         

Tudo nos diz que não serão vistos, nem falados, pois na sua condição de transparentes, deixaram de existir.

Todos temos noção da realidade perversa dos nossos tempos, em que o que não surge nas TVs ou nos restantes meios de comunicação social,  pura e simplesmente não existe, mesmo que corresponda a vidas reais – tão reais que poderiam servir de guião, para um qualquer script, de uma qualquer série televisiva, mais ou menos lacrimejante.

Como sabemos, transparente é transparente e, como tudo o que é transparente, não se vê – principalmente quando não se deseja ver.

Estes transparentes são os efeitos colaterais da vida ou da guerra – ou de outras guerras ou de outras vidas – e existem aos milhares, em muitos outros sítios nos restantes continentes do mundo e nas muitas terras de ninguém; mas, porque assim são, não se vêem, ou não há o desejo de os ver e prestar apoio.

São um incómodo.

(…)

Ainda e a propósito das fotografias de In Limbo serem ficcionadas, é interessante relembrar as palavras proferidas em conferência recente, nos finais de 2020, pelo catalão Joan Fontecuberta (n. 1955), que afirmou, perante uma audiência de universitários em Madrid, a propósito das suas fotografias ficcionadas, que a sua estratégia se baseia no uso do que usualmente é conhecido e designado como fake, como um mecanismo e estratégia cuja intenção não é a de enganar, mas sim servir de pedagogia que ajude o espectador a desvendar os truques do engano, levando-o a reagir criticamente perante a avalanche de imagens que se produzem sem critérios, nos dias de hoje.

A propósito, julgo ser pertinente convocar as palavras do fotógrafo, curador, investigador e académico brasileiro, Felipe Abreu (n. 1979), publicadas pouco tempo depois da palestra de Fontecuberta, na reflexão “Verdade, uma ilusão. Verdade, seu nome é mentira” – cujo títuIo foi encontrado numa música de Marisa Monte – onde analisa os trabalhos ficcionados de Joan Fontecuberta e também os do canadiano Jeff Wall, alertando para a importância de se encarar a fotografia com olhos críticos e atentos, como mais um passo para termos uma visão mais pragmática da nossa história, referindo que tudo precisa de ser interpretado, analisado e reflectido.

(…)

… deixar bem expressos os parabéns que a Carmen Serejo me merece, pela sinceridade e envolvimento que colocou na execução deste seu In Limbo – ao que acrescento, nos merece – assim como todos os seus jovens actores, que tão cúmplices foram com ela, ao vestirem o papel das personagens desejadas, recriando todos estes acontecimentos dramáticos, que nos são dados a ver e que são tão semelhantes com a vida dos que designo como transparentes e que continuam a circular pelo mundo aos trambolhões, para nos comprovar que a realidade dos factos é bem mais cruel do que a ficção.

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Janeiro 2023

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2023

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Pedro Neto, Director Executivo da Amnistia Internacional, testemunha:

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ESTAR-SE REFUGIADO

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A vida não é garantida. Vivemos como se o fosse, mas na realidade não o é.

Não temos essa noção em consciência a todo o momento – tal seria impossível. Porém, com uma maior consciência desta fragilidade das nossas vidas e da nossa condição humana, poderíamos, talvez, viver de outra forma; poderíamos, talvez, não perder tanto tempo com coisas pequenas; poderíamos, talvez, ser mais solidários com quem mais sofre injustiças ou abusos e violações dos seus direitos humanos.

As guerras, a fome, a pobreza extrema e as alterações climáticas são algumas das razões que conduzem a mobilizações e massa de pessoas guiadas, não pela própria vontade, mas pela necessidade.

A ausência de rotas legais e seguras leva as pessoas que necessitam de sair do seu local de origem o façam recorrendo a traficantes e formas de viagem muito arriscadas. Assim, temos visto pais e mães a colocar-se a si e aos seus filhos em pequenos botes, mar adentro, ou a atravessar desertos escaldantes e florestas geladas.

A falta de destreza, de meios e de transparência dos procedimentos burocráticos de análise e acolhimento a requerentes do estatuto de refugiado coloca muitas destas pessoas à mercê de uma instabilidade permanente nas suas vidas.

Mais, coloca-as ainda à mercê de intenções criminosas que – quais oportunistas – favorecem enquanto alvos, pessoas em circunstância de maior vulnerabilidade.

 Estas falhas colocam hoje milhões de pessoas no mundo em risco; obrigam milhões a interromper as vidas e a colocar-se – a si e aos seus – em grande risco.

Esse LIMBO em que se encontram é dramático e é isso que Carmen Serejo nos transmite, nos recorda e nos mostra através da sua arte.

Ninguém é refugiado. Desejavelmente, está-se refugiado, e essa condição não deve ser uma condenação à vulnerabilidade, mas sim condição de acesso a maior proteção, solidariedade, acolhimento e integração efectiva.

Talvez esta reflexão sobre a condição de milhões de pessoas, a que Carmen Serejo nos convida através da sua arte, contribua para um futuro em que ninguém fique de fora, onde ninguém continue no LIMBO.

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Dezembro 2022

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Carmen Serejo, In Limbo

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IN LIMBO é uma série fotográfica sobre uma das mais terríveis emergências humanitárias – o drama dos refugiados que tem gerado níveis sem precedentes de deslocados e sofrimento humano, em todo o mundo.

Em IN LIMBO, Carmen Serejo faz de cada uma das imagens uma entrevista fotográfica com o público, propõe uma reflexão sobre cada momento da vida destas pessoas que experienciam a condição de dúvida, indecisão, incerteza.

Com base em histórias do terreno, Carmen Serejo procura representar aqueles que foram deslocados à força; aqueles que foram obrigados a regressar a casa durante a pandemia da COVID 19; aqueles que são apátridas e, por isso, são invisíveis e desconhecidos; e outros grupos que não devem ser negligenciados e esquecidos.

Carmen Serejo foca-se em algumas características dessas histórias a solidão, o medo, a fome, a morte, mas também a fé e a esperança.

Mais do que compor uma simples exposição fotográfica, Carmen Serejo pretende honrar milhões de crianças, mulheres e homens que são forçados a fugir do seu país na sequência de catástrofes naturais, perseguição, guerra ou violência, violações dos direitos humanos.

IN LIMBO é uma série ficcionada, com uma linguagem muito próxima Da que habitualmente usamos nas redes sociais quando criamos personagens, e cuja estrutura narrativa é formada pelos próprios argumentos que apresenta e as questões que coloca, procurando contribuir para os debates e reflexões em torno dos múltiplos e nem sempre evidentes impactos das crises migratórias e de refugiados na sociedade actual.

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Carmen Serejo, In Limbo, 2023

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A exposição de Carmen Serejo, “In Limbo”, integra a 10.ª edição do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes, mostra-se na Casa da Cultura, no Largo do Palheirinho, em Avintes, de 29 de abril a 31 de maio de 2023.

Em breve será apresentada no Museu Municipal Professor Joaquim Vermelho, de Estremoz.

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António Bracons, Carmen Serejo, 2023

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Carmen Serejo, portuguesa, nasceu em Moçambique,1961. Vive em Sintra, Portugal.

Com formação em Assessoria e Gestão Administrativa, dedicou 37 anos da sua vida ao serviço de Empresas sendo os últimos 22 numa Agência das Nações Unidas (UNICEF).

A sua experiência de vida levou-a, recentemente, a fazer da fotografia uma ferramenta de expressão pessoal e de construção de narrativas como recurso para a reflexão sobre o ser humano na sua dimensão biológica, cultural e social. Carmen Serejo está principalmente interessada nas pessoas e no seu [ugar no mundo de hoje – especialmente as que ficam de fora, à margem da sociedade.

Fez formação em fotografia e fotojornalismo no Cenjor – Centro Protocolar de Formação para Jornalistas. Aprendeu a arte de contar histórias através de uma metodologia narrativa e de impacto ao nível emocional num minicurso com Sebastian Liste, fotógrafo, Embaixador da Leica e cofundador da agência NOOR.

2022 Exposição colectiva “A Importância da Floresta”, 9ª edição do Festival Internacional de Fotografia Instantes; Exposição colectiva “Terra Sustentável?!” 1.º edição do PHOTOfest Cantanhede

2022 Medalha de Prata no Tokyo International Foto Awards (TIFA); Menção de Honra do ND Awards, na Categoria Fine Art: Conceptual; Prémio Platina da European Photography Awards (EPA), na Categoria de Fotografia Editorial – Fotojornalismo

2021 Menção de Honra do ND Awards, na Categoria Fine Art: Conceptual

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Pode conhecer mais sobre a obra de Carmen Serejo no seu site, aqui.

A Agenda das exposições e eventos do iNstantes, no FF, aqui.

Mais informação sobre o Festival iNstantes aqui.

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Cortesia: iNstantes e Carmen Serejo.

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