ALMAS EM CURA. UMA ESCOLHA DE JOSÉ SOUDO A PARTIR DAS FOTOGRAFIAS DA “COLECÇÃO BOMBARDA”

A exposição integra a 3.ª Mostra de Fotografia e Autores – MFA Lisboa,, patente nos Jardins do Bombarda, de 7 de setembro a 5 de outubro de 2025.

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No âmbito da 3.ª Mostra de Fotografia e Autores de Lisboa, uma das exposições patente nos Jardins Bombarda – do antigo Hospital Miguel Bombarda – nomeadamente no espaço do pinhal, parte do acervo fotográfico do Hospital e foi organizada por José Soudo: “Almas em Cura”.

As fotografias são apresentadas em painéis dispostos em círculo, virados para fora – contrastando com o panóptico, virado para dentro; as fotografias são reproduzidas em grande formato e legendadas.

Esta exposição releva ainda a importância dos espólios – gerais ou específicos, particulares ou de instituições – e a sua importância fundamental para o estudo de hábitos, costumes, da história, do Homem, e no caso específico, também da Medicina, mais concretamente da Psiquiatria.

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ALMAS EM CURA

Uma escolha de José Soudo a partir das fotografias da “Colecção Bombarda

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Organizada em 12 painéis dispostos em círculo nos Jardins do Bombarda, esta seleção propõe um percurso que começa e termina com elementos simbólicos, que vão desde o envelope de um processo clínico até à fotografia de um grupo de doentes, junto à porta de ferro do Panóptico, datada de 1968.

São testemunhos únicos sobre práticas de diagnóstico, observação e tratamento em psiquiatria, bem como sobre o quotidiano de doentes internados e em espaços de clausura.

As reproduções foram feitas a partir dos originais do acervo fotográfico do Hospital Miguel Bombarda, actualmente na Biblioteca do Hospital Júlio de Matos e recentemente classificado, já em 2025, como Conjunto de Interesse Público.

O espólio, constituído por fotografias feitas entre finais do século XIX e meados do século XX, tem cerca de 5500 fotografias inventariadas (2010).

Esta escolha corresponde apenas a cerca de 0,5% do total e são o resultado de um processo de observação lento e metódico, pois cada fotografia vista carrega uma vida, ou uma história em silêncio, revelada no olhar e na postura dos retratados.

A fotografia médica deste período histórico procurava apreender a doença mental através do corpo e da expressão, servindo como registo clínico e ferramenta de análise.

O tempo, porém, transformou o sentido destas imagens, devolvendo-nos hoje, o olhar dos próprios retratados.

São olhares que resistem.

São corpos presentes que se desnudam na sua fragilidade.

São momentos por vezes insólitos.

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“Almas em Cura” não pretende ler patologias, mas reconhecer a humanidade impressa no papel fotográfico.

É um convite a ver, não para julgar, mas para escutar.

Neste contexto de análise curatorial, coloco uma questão, para a qual não tenho resposta.

O que poderá significar, no conjunto das sete pequenas fotografias de uma jovem mulher, com data de 1930 e registadas no navio “Sierra Montana”, o que é mencionado na folha de inventário e está escrito no respectivo verso – “…Increpando os espíritos maus, afastando-os para longe…”?

Ou, no conjunto das quatro fotografias recortadas e com data de 1928, que se optou por colocar ao lado destas, qual a razão porque reza o homem, ou porque se abraça ele e qual o motivo para os seus pés terem sido fotografados sobre uma folha de jornal?

Estão escolhidas duas séries em simetria, colocando de um lado mulheres e do outro homens.

Há retratos frontais em que o olhar dos pacientes se ergue com uma intensidade desconcertante.

Há corpos frágeis aos quais foram retiradas as roupas, partes de documentação clínica, aqui colocados como vestígios de um tempo em que a visão médica pretendia avaliar a postura do corpo desnudo, como um espelho da mente.

Há retratos de pacientes, que pela sua pose poderiam indiciar fazer parte de uma galeria de actores para um qualquer filme de mistério.

Façam-se comparações e nestes contrastes, vejamos as diferenças e as semelhanças, não para julgar, mas para escutar.

Estas fotografias da “Coleção Bombarda” pertencem a uma era da psiquiatria em que a objetividade científica se confundia com os regimes disciplinares, mas também permitem incursões por outros caminhos de análise fora do contexto psiquiátrico. Os caracteres gráficos do retrato de um dos homens e o conjunto com que termina o círculo de apresentação, o qual contém os caracteres gráficos e os logotipos do Estúdio de Fotografia que executou o trio de fotografias de uma mulher em pose com chapéu e sem ele, que tanto se assemelham com as “cartes-de-visite”, tão comuns nos idos dos anos 1860’s.

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Este acervo mostra também os limites — e os excessos — da psiquiatria de outros tempos, em que a objetividade científica se confundia com práticas disciplinares.

Ao confrontarmos este passado, podemos devolver dignidade e presença a quem foi reduzido a um “caso” ou a um “tipo”.

Rostos, gestos e corpos, preservam identidade, mesmo no sofrimento.

A dor não se vê, mas podemos olhar para ela.

Este espólio, que documenta décadas de vida hospitalar, regista também arquitecturas, espaços interiores e exteriores, enfermarias, latrinas, banhos, refeitórios, cozinhas, trabalho e lazer, festas e passeios. Está guardado na Biblioteca do Hospital Júlio de Matos e é cuidado por zeladores institucionais e voluntários da Associação Fórum e Cidadania Lx, carecendo de melhores condições de preservação — temperatura, humidade, armazenamento — para que continue a ser estudado, mostrado e partilhado.

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Com este “Almas em Cura”, apenas levanto a ponta do véu do que vi.

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José Soudo — o curador, ou melhor, aquele que teve o privilégio de ver tudo e escolher muito pouco para vos dar a ver.

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Nota de rodapé: do grego clássico – psyche (ψυχή)alma” – iatreia (ατρεία) “cura”

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2025

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A exposição «Almas em Cura. Uma escolha de José Soudo a partir das fotografias da “Colecção Bombarda”», integra a 3.ª Mostra de Fotografia e Autores – MFA Lisboa, patente nos Jardins do Bombarda, na R. Gomes Freire, 161, de 7 de setembro a 5 de outubro de 2025.

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A Mostra de Fotografia e Autores – MFA Lisboa é organizada pela Associação CC11:

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A fotografia marca a agenda da cidade neste mês de Setembro, com a inauguração de doze exposições de autores, emergentes ou consagrados, na 3.ª edição da Mostra de Fotografia e Autores – MFA Lisboa. Venha juntar-se a esta festa da fotografia e conhecer os seus autores.

Nesta edição, a MFA Lisboa optou por concentrar as exposições em seis locais de edições passadas – Jardins do Bombarda, Galeria Imago, espaço CC11@Imago, Casa da Imprensa e mercados da Ribeira e de Campo de Ourique –, acrescentando-lhes dois espaços marcantes: o Pavilhão de Segurança (Panóptico) do Miguel Bombarda e os pavilhões da Mitra. Nos meses de Setembro e Outubro, a fotografia está na cidade.

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A Agenda da 3.ª Mostra de Fotografia e Autores – MFA Lisboa, no FF, aqui.

Sobre esta e outras edições da Mostra de Fotografia e Autores no FF, aqui.

Outras colaborações de José Soudo no FF, aqui.

Sobre a Associação CC11, aqui (site).

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Cortesia: José Soudo.

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