NICOLAS FLOC’H, MAR ABERTO

Exposição no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, de 27 de março a 26 de agosto de 2024.

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Gradualmente, fui percebendo que a «paisagem de cor» contava a história do mundo, a interação do ser vivo com o mundo mineral, a história da Terra, o oceano, a atmosfera, o gelo, e tudo isso em temporalidades múltiplas. Os fluxos e os ciclos hidrológicos, biológicos e geológicos percetíveis nessas fotografias promovem o encontro da pintura abstrata com a representação fotográfica da paisagem.

Nicolas Floc’h, sobre A Cor da Água – Rio Tejo.

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Floc’h leva-nos a mergulhar nos rios e nos mares, através de fotografias e vídeo, a preto e branco: são as paisagens submarinas: rochas, algas, o movimento que as correntes imprimem, a luz que atravessa a água… A cor, sobretudo em colunas, as séries “A Cor da Água”, registadas ao longo de várias profundidades, num mesmo ponto, ou entre paisagens, a cor da água nessa área. A alguma distância cada imagem parece uma cor uniforme, quando nos aproximamos, distinguem-se as partículas em flutuação, a vida submarina, que não nos apercebemos. Percebemos como difere a cor da água.

Os recifes artificiais que se têm criado em diversos pontos, são um reflexo da importância da vida marinha e do seu desenvolvimento. Apresenta-nos diversas fotografias desses recifes e algumas maquetes em escala reduzida.

Floc’h alerta-nos, de diferentes modos, para a importância da riqueza e da preservação dos oceanos, dos mares, dos rios!

A não perder!

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João Pinharanda, curador da exposição, regista:

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O MAAT recebe uma extensa mostra de fotografias, vídeos e peças escultóricas de Nicolas Floc’h (França, 1970). Através de tão ampla representação, a exposição oferece ao público português informação suficiente para ficar a conhecer a sua obra e motivações. Floc’h, consagrado fotógrafo francês, e um dos mais importantes nomes internacionais da fotografia que toma o mar como tema central, expõe pela primeira vez em Portugal; e, também pela primeira vez, toma Portugal como tema ao desenvolver a sua campanha fotográfica no Estuário do Tejo e nos Açores.

O MAAT proporcionou-lhe a residência que deu origem ao grande mural A Cor da Água – Rio Tejo, composto por 408 fotografias das cores da água deste rio – mais propriamente do troço entre Castanheira do Ribatejo e Bugio –, e foi parceiro (com o Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, Açores) da campanha que lhe permitiu registar as fontes termais subaquáticas ao largo da ilha de São Miguel. Os resultados são a deslumbrante escala de cores das águas do rio e as dramáticas imagens dos fundos marinhos desertificados pela acidificação das águas sulfurosas do arquipélago.

Outros registos, fotográficos e em vídeo, feitos em zonas tão distintas como a sua Bretanha natal ou a imensa bacia hidrográfica do Mississípi, onde fez a sua mais recente campanha, dão-nos ideia tanto da amplitude do seu inquérito como da diversidade das tão pouco conhecidas realidades subaquáticas do nosso planeta.

Nicolas Floc’h não faz da sua obra um manifesto climático explícito, mas no seu conjunto, bem como nas obras tridimensionais, conduz-nos a uma tomada de consciência ecológica. A beleza misteriosa e inquietante das suas imagens e o seu método de registo obsessivo são, só por si, testemunhos poderosos da atenção consciente que o artista dedica ao delicado equilíbrio dos ecossistemas marinhos e ao modo como nos devemos relacionar com eles tanto objetiva como poeticamente.

É a multiplicidade desses caminhos que o MAAT apresenta, convidando-nos a ficar disponíveis para o espanto, a curiosidade e a vontade de preservação do mundo que nos rodeia.

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Os vários projetos que Floc’h apresenta são:

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Estruturas produtivas, recifes artificiais, 2011 – 2017

Esta série de fotografias apresenta recifes artificiais no Japão e na Europa que se encontram imersos há vários anos, inacessíveis por se situarem geralmente em zonas protegidas, onde é proibido mergulhar, e cujo acesso só é autorizado a cientistas, fabricantes de recifes ou pescadores. Uma parte importante destes recifes encontra-se entre os 20 e os 30 m de profundidade e, uma vez submersos, transformam-se lentamente em arquiteturas vivas.

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Estruturas produtivas, recifes artificiais, 2012-2017

Desde o séc. XVII, e especialmente após a década de 1950, há cidades inteiras construídas debaixo de água. No Japão, podemos contar 20 mil “metrópoles” submarinas entre os 10 e os 80 metros de profundidade, cujas torres mais altas alcançam 35 metros de altura. Construídas para a fauna e para a flora, são arquiteturas singulares, habitats que podemos entender como uma espécie de ruínas ao contrário, a que chamamos “recifes artificiais”. Este projeto permite estabelecer uma tipologia destes recifes concebidos por engenheiros através da criação de uma base de dados que reúne volumes e formas de instalação. Estas esculturas documentais, à escala de 1:10, mostram as estruturas antes da sua imersão e colonização pelo meio.

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António Bracons, Aspetos da exposição – “Estruturas Produtivas”, 2024

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Paisagens Produtivas – Initium Maris, Bretanha, 2015-2021

A série “Paisagens Produtivas” reúne um conjunto de projetos sobre a representação das paisagens e habitats submarinos e o seu papel enquanto ecossistemas produtivos. Indicadores essenciais, a cor do mar e o estado das paisagens permitem visualizar fenómenos como a alteração e habitabilidade dos meios, evocando a regulação e transformação do clima, a degradação e a preservação da biodiversidade e, de facto, uma abordagem global à biosfera. Floc’h tomou por missão estabelecer uma tipologia fotográfica das paisagens submarinas francesas a partir da exploração das diferentes frentes marítimas. Trata-se, igualmente, de dar a ver paisagens invisíveis ao público em geral.

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Flux – Bretanha: Ilha de Ouessant, zooplâncton, salpas, 2016; Ilha de Govihan, sargaço, 2020; Ilha de Molène, algas, 2021

As florestas de algas da costa da Bretanha e das zonas temperadas alcançam vários metros de comprimento. Estas espécies vegetais, que têm um papel determinante no equilíbrio planetário, apresentam também formas e matérias cuja dinâmica é muito diferente das espécies vegetais terrestres. Adaptadas ao poder das ondas, dançam nas correntes. Na coluna de água, o fitoplâncton que confere a cor verde indicadora da fotossíntese e a da presença de clorofila, é invisível a olho nu para além da cor que produz, enquanto o grande zooplâncton gelatinoso com vários centímetros de comprimento, as salpas, chegam a saturar massas de água como estas em Ouessant, na ponta mais a oeste desta região.

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A Cor da Água – Loire e Bretanha, 2020-2021

A série “A Cor da Água” foi iniciada por Floc’h em 2016, em França. De acordo com o artista: Quanto mais documento e leio as cores das águas, mais a informação que estas contêm se desmultiplica e organiza, como um registo da vida, do mineral, dos solos, do espaço, do clima. A paisagem subaquática e oceânica mais comum forma uma extensão colorida a perder de vista. Através da fotografia, a pintura monocromática funde-se aqui com a pintura de paisagem, apesar de o vegetal e o mineral não se exprimirem aqui pela representação romântica de um rochedo, uma montanha, ou pelo toque impressionista de um campo de flores, mas unicamente pela cor e pela luz. Essa cor é a cor microscópica, que se torna visível pela acumulação, pigmentos flutuantes, dinâmicos e livres, cuja saturação aumenta com a profundidade…

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Paisagens Produtivas – Mar Profundo, Bretanha, 2021

Recorrendo a uma caixa estanque com um aparelho fotográfico especialmente concebido para o efeito, presos à frente do ROV Ariane pertencente à frota oceanográfica francesa, esta série, a única de Floc’h a utilizar luz artificial, aproveita os “faróis” do Ariane que iluminam essas paisagens – completamente inacessíveis por mergulho normal – ao longo de onze mergulhos ente os 700 e os 1800 m abaixo do nível do mar. Nas profundezas, parece que estamos em Marte ou na Lua, mas num ambiente habitado por peixes solitários e milhares de outras espécies. Essa vida discreta aparece distintamente na cor da água perto da superfície, nos ziguezagues do zooplâncton que desce em direção à noite hiperbárica, na colonização das paredes das falésias da garganta a mais de 1000 m de profundidade, nos sedimentos.

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Rios-Oceano – Mississípi, 2022

Para a série “Rios-Oceano”, Floc’h seguiu o percurso da água nas bacias hidrográficas dos rios, do Mississípi ao Ródano, do Loire ao Sena. Em busca da cor, o artista fotografou as águas sob a superfície, as suas nuances participando na formação e transformação dos territórios. Em 2022, documentou a bacia hidrográfica do Mississípi em 224 colunas de água de outros tantos locais de 31 estados. No MAAT são apresentadas cinco imagens captadas na foz da bacia hidrográfica do Mississípi e uma coluna do Rio Vermelho.

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2024

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Paisagens Produtivas – Açores, 2023

Estas imagens representam uma zona ácida junto de fissuras hidrotermais originadas pela atividade vulcânica. O CO2 liberta-se do fundo do oceano, baixando os níveis de pH. Este laboratório natural apresenta um nível de acidez próximo do previsto para o final do século, criando um ecossistema empobrecido, onde se perde a diversidade de algas, os organismos não conseguem construir os seus esqueletos calcários e a biodiversidade é diminuta. Estes fenómenos são óbvios em lugares onde a paisagem tem um ambiente exuberante, mas aqui nos Açores as paisagens submarinas minerais tornam este fenómeno menos visível, exceto nas zonas de rocha calcária, onde a pedra negra dá lugar à branca.

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António Bracons, Aspetos da exposição – “Paisagens Produtivas – Açores, 2023”, 2024

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A Cor da Água – Tejo, 2022

Cada imagem deste trabalho é captada com uma grande angular e luz natural, a uma profundidade diferente, e é disposta de acordo com a sua relação espacial com as restantes. A grelha do Tejo representa assim um corte fotográfico ao longo de 95 km, desde o rio até ao oceano Atlântico. Ao longo de 34 pontos de paragem, a cada 2,9 km, foi realizada uma série de fotografias a diferentes profundidades (coluna) dentro do limiar da zona fótica, que recebe luz natural. A profundidade varia consequentemente entre o ambiente turvo do rio, onde a luz penetra apenas alguns metros na coluna de água, e as águas límpidas do Atlântico, onde a penumbra só se instala a 100 m de profundidade.

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António Bracons, Aspetos da exposição – “A Cor da Água – Tejo, 2022”, 2024

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A exposição de Nicolas Floc’h, “Mar Aberto”, com curadoria de João Pinharanda, pode ser vista no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, na Av. Brasília, a Belém, em Lisboa, de 27 de março a 26 de agosto de 2024.

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Pedro Pina, Nicolas Floc’h junto a “A Cor da Água – Tejo, 2022”, 25.03.2024

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Nicolas Floc’h nasceu em 1970 em Rennes, França.

Atualmente vive e trabalha em Paris. Por entre as suas diversas exposições individuais e coletivas, podemos referir Ephemeral Anchoring (Ginza Maison Hermès Le Forum, Tóquio), Mississippi Colors (The Kennedy Center, Washington, D.C., 2023), Productive Structures (Museu Municipal de Arte de Quito KYOCERA, Quioto, 2020), Trienal de Setouchi (Takamatsu, 2019), Bienal de Chengdu (Chengdu, 2021), Invisible, Seascapes (Fondation Thalie, Bruxelas, 2021), La Couleur de l’eau (Frac Grand Large, Dunquerque, 2022), Paysages productifs (Frac Provence-Alpes-Côte d2Azur, Marselha, 2020), Manifesta 1( (Marselha, 2020), Glaz (Frac Bretagne, Rennes, 201#), Les Villes immergées (Musée des beaux-arts, Calais, 2015), Le Grand Troc (MAC VAL – Musée d’art contemporain du Val-de-Marne, Vitry -sur-Seine, 2015), Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2009).

Floc’h foi artista residente da Villa Albertine nos EUA (2022), onde desenvolveu o projeto sobre o Mississípi e, no mesmo ano, obteve apoio do CNAP – Centre National des Arts Plastiques para o projeto sobre o Ródano. A sua obra está representada em diversas coleções, como a do MALI – Museo de Arte de Lima, do Frac Bretagne, do CNAP, do Frac Sud ou do MAC VAL. Floc’h tem livros publicados pela Roma Publications e pela Gwinzegal, e é representado pela Galerie Maubert, Paris.

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Cortesia: Nicolas Floc’h

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