LUÍS PAVÃO, LISBOA FRÁGIL

Exposição no Pavilhão Preto, nos jardins do Palácio Pimenta / Museu de Lisboa, ao Campo Grande, de 2 de fevereiro a 7 de abril de 2024.

.

.

.

Luís Pavão nasceu em Lisboa e aqui viveu quase toda a sua vida, apenas alguns anos em Rochester, nos Estados Unidos da América, aquando do seu mestrado em conservação de fotografia.

Luís Pavão conheceu bem a cidade: desde os locais caraterísticos dos bairros, como as tabernas e as coletividades, até à paisagem verde ou urbana da cidade. Mostra-nos o que não vemos da cidade, que sabemos (ou não sabemos) que existe (ou existiu) ou, se vemos, o que não nos apercebemos num olhar de passagem. Mostra-nos uma Lisboa frágil, na fragilidade da vivência e de uma mudança continua, que vai desaparecendo…

A abrir a exposição, uma figura está ali, convidando-nos a entrar. O primeiro espaço apela para o laboratório a preto e branco, no qual desenvolveu todo o trabalho que apresenta, em pequeno ou médio formato. Estão as embalagens de papel fotográfico, provas de contacto, materiais de laboratório… então, temos as fotografias… Acompanhando cada série, folhas de sala, em português e inglês fazem um enquadramento à série e identificam cada uma das fotografias.

Abre a exposição a vida noturna da cidade: os espaços e as atividades de lazer e aquelas que não vemos, mas que fazem a cidade funcionar: dos mercados à impressão e distribuição dos jornais, à limpeza urbana e ao guarda-noturno, a cidade sob a luz artificial. Luís Pavão entra nos espaços em que não entramos, regista as “Fotografias de Lisboa à Noite”, o livro que é impresso em 1983 não fica atrás do que Brassai realizou em Paris 50 anos antes.

Antevendo o desaparecimento, faz o levantamento das “Tabernas de Lisboa”, que viria a dar o seu primeiro livro, em 1981: para cada uma cria uma folha de registo onde identifica parte da história: da data da fundação aos proprietários e aos clientes, às caraterísticas específicas, fotografa. Volta para identificar as pessoas presentes nas fotografias…

Nos anos seguintes, fotografa as coletividades e as suas atividades: do “Jogo da Laranjinha”, aos bailes, os ensaios das marchas, as casas de fado… No final do século, fotografa a cidade em crescimento e desenvolvimento, procura olhares distintos e a obra surge: “Lisboa em vésperas do terceiro Milénio”, de que se mostram 9 fotografias, é a derradeira série da exposição. Preâmbulo para um futuro que já decorre, que se transforma em cada dia num presente e logo depois, num passado. Como a vida de uma cidade e de cada um. Como a fotografia.

.

.

.

Luís Pavão, Tabernas de Lisboa

.

.

.

Joana Sousa Monteiro, diretora do Museu de Lisboa, regista:

.

Foi com imediato entusiasmo que o Museu de Lisboa acolheu este projeto expositivo idealizado por Luís Pavão. Não se tratando de uma retrospetiva completa, apresenta fotografias de Lisboa, de 1971 a 2009, tanto obras já conhecidas, como inéditas.

Observar, conhecer, reconhecer e espantar-se incessantemente com Lisboa, tem sido persistente ofício de Luís Pavão, fotógrafo, também arquivista e um apaixonado confesso por esta cidade. A seleção das obras agora expostas, resulta de um longo processo de reencontro do autor com o seu próprio trabalho, complementado pelo olhar da curadora Laura Covarsi.

Há um olhar saudoso no revisitar de aspetos de uma Lisboa que já se transformou e se tornou, para o autor, mais frágil, onde já não encontramos as tabernas, os jogadores de laranjinha, os mesmos serões nas coletividades, as matinés dançantes, ou o fado e as guitarradas como outrora. Mas a exposição versa também sobre a cidade que se desenvolve e se transmuta nas vésperas do Terceiro Milénio.

A nostalgia presente nesta exposição é sublimada pela juventude do olhar brilhante e curioso de Luís Pavão e pela sua vontade irredutível de continuar a descobrir e a reinterpretar Lisboa. É também este o nosso Incessante ofício, (re)descobrir, (re)interpretar, conhecer melhor as cidades que cabem nesta Lisboa.

.

.

.

António Bracons, Aspetos da exposição, 2024

.

.

.

Laura Covarsí, curadora da exposição, escreve:

.

COMO UM MURMÚRIO DE FUNDO

.

Luís Pavão (Lisboa, 1954) fotografa, desde finais da década de setenta, à beira do abismo da memória. A frágil Lisboa que começava a atenuar-se tem sido sempre a protagonista das suas obras.

No seu primeiro ensaio fotográfico, fotografou as tabernas da cidade, onde adultos, mais homens que mulheres, algumas crianças e esporadicamente animais, respiravam o mesmo ar, denso, cheiroso e ruidoso. Fotografou estes espaços icónicos, onde eram servidos almoços ou se passava a ferro, onde distinguir as fronteiras entre o espaço público e o espaço privado se tornava difícil. Esta primeira obra foi reunida na publicação Tabernas de Lisboa, editada pela Assírio & Alvim em 1981, com texto de Mário Pereira, revelando-se obra seminal na sua carreira como fotógrafo. Luís tinha apenas vinte e seis anos.

Imediatamente a seguir, em 1983, como uma continuação natural, o objeto da sua documentação deslocou-se para a noite lisboeta. Em Fotografias de Lisboa à Noite Luís Pavão simula uma deriva fotográfica do anoitecer ao amanhecer pelas ruas da cidade, de Campo de Ourique ao Cais do Sodré, dando rosto às figuras que constroem os cenários de uma cidade que brilha à noite, como fez Brassaï em Paris ou Sergio Larraín em Valparaíso. Posteriormente, com a mesma vontade de documentar e inventariar, os projetos abordarão temas mais específicos: os jogos de taberna em Lisboa (1985-1986), os bailes nas coletividades (1988-1990), os fadistas e as casas de fado (1993-1994), os ensaios das Marchas de Santo António (1991-1992), etc.

Entre forma e conteúdo, as fotografias de Luís Pavão afastam-se gradualmente do barulho das tabernas dos anos oitenta e mostram o silêncio na cidade dos anos 1990 e 2000. A exposição encerra com Lisboa – Vésperas do Terceiro Milénio, um projeto para o Arquivo Municipal de Lisboa, realizado entre o ano 2000 e 2001. Neste estudo da cidade, o fotógrafo mostra-nos lugares que oscilam entre o passado e o presente, testemunhos que nos ajudam a compreender a Lisboa que vivemos hoje. Uma cidade entre o pós-Expo’98 e o pós-pandemia, onde a perda de identidade chegou de mãos dadas com a gentrificação.

O olhar de Luís Pavão foi sempre – ainda hoje continua a ser — o de uma criança curiosa e inocente. Submergiu-se na cidade, brincando com os limites que lhe foram impostos, explorando diferentes áreas e fotografando os seus protagonistas, posicionando-se do lado de fora, mas fotografando sem grandes distâncias, físicas ou mentais. Sem julgamentos, afinal.

Esta exploração, aparentemente inocente e lúdica, foi sempre acompanhada de um método de trabalho, que lhe permitiu construir um arquivo que hoje é fonte documental para o estudo da delicada Lisboa.  Luís deu nomes e sobrenomes às pessoas e lugares que habitam as suas fotografias: taberneiros e tabernas, bebedores e fadistas, dançarinos e clubes. Pessoas que ocupam um espaço, não só nas suas imagens, mas também na história da cidade. Algumas destas informações documentais e objetos, que são parte da metodologia de trabalho — como folhas de contacto, cópias de trabalho ou maquetas — complementam esta exposição, resultado da revisão        de um arquivo fotográfico ainda vivo, que continua a ser construído, com foco na etnografia urbana.

Em Lisboa Frágil viaja-se por túneis que são, apesar do título, robustos. Neles, vive-se uma viagem que tem como pano de fundo o eco de um tempo que já foi e sente-se simultaneamente o murmúrio da Lisboa que é e será.           

.

.

.

António Bracons, Aspetos da exposição, 2024

.

.

.

A exposição “Lisboa Frágil”, de Luís Pavão, com curadoria de Laura Covarsí, encontra-se no Pavilhão Preto, nos jardins do Palácio Pimenta / Museu de Lisboa, ao Campo Grande, de 2 de fevereiro a 7 de abril de 2024.

.

.

Dia 27 de março de 2024, às 17:30, tem lugar a apresentação do livro “Lisboa Frágil”, de Luís Pavão, edição Sistema Solar | Documenta, tendo lugar uma conversa do fotógrafo com Nuno Faria.

.

.

.

António Bracons, Luís Pavão, 27.03.2024

.

Luís Pavão nasceu em Lisboa, em 1954.

Realiza trabalhos de fotografia, desde 1979. Concluiu a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica, em 1981, no Instituto Superior Técnico. Porém, não chega a exercer a profissão. Até 1986, trabalhou como fotógrafo freelancer, sobretudo no Alentejo e em Lisboa, na área da ilustração, elaborando coleções de postais, folhetos e publicações de âmbito regional. Durante este tempo, publicou dois livros de fotografia: «Tabernas de Lisboa» e «Fotografias de Lisboa à Noite». Entre 1986 e 1989, estudou Conservação de Fotografia, em Rochester, nos Estados Unidos da América, tendo concluído o mestrado no Rochester Institute of Technology, em 1989, com a dissertação “The photohotographers of Lisbon, Portugal, from 1886 to 1914.”

Exerceu a atividade de fotógrafo apenas no ramo da fotografia de arquitetura e do retrato. Tem também desenvolvido trabalho pessoal nos campos da fotografia panorâmica e da impressão fotográfica por processos alternativos (processos em prata, goma, platina e sais de ferro). É praticante dos processos históricos: daguerreótipo e colódio húmido.

Conservador das coleções de fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa, desde 1991, destacando-se ainda na autoria de levantamentos fotográficos sobre a cidade tendo alguns deles dado origem a várias exposições. Recentemente, foi co-comissário das exposições sobre Ana Maria Hoslstein Beck (2013) e Artur Pastor (2014).

Dirige a empresa LUPA – Luís Pavão, Limitada, especializada em conservação e digitalização de coleções de fotografia. Tem como principais clientes instituições portuguesas e espanholas, que detêm importantes coleções de fotografia desde os períodos cronológicos mais recuados até à contemporaneidade.

Entre 1989 e 2001, desenvolveu atividades letivas na área da tecnologia da fotografia e processos fotográficos históricos alternativos, nas escolas AR.CO, em Lisboa; entre 2001 e 2015, foi professor na Licenciatura de Fotografia, do Instituto Politécnico de Tomar.

Atualmente tem colaborado com a Universidade Autónoma de Barcelona e com outras diversas instituições, essencialmente oficinas, ministrando ações de formação, de curta duração, sobre conservação de fotografia. Para além da sua participação, com o antigo Instituto Português do Património Arquitetónico, em diversas publicações sobre arquitetura, azulejaria e património edificado português, é autor de vários livros, de entre os quais se destacam: Tabernas de Lisboa, edição Assírio & Alvim (1979); Fotografias de Lisboa à Noite, edição Assírio & Alvim (1983); Conservação de Coleções de Fotografia, edição Dinalivro (1997); Lisboa em vésperas do terceiro Milénio, edição Assírio & Alvim (2002), para além de múltiplos catálogos.

.

.

.

Pode conhecer mais sobre a obra de Luís Pavão no FF, aqui e no site da Lupa – Luís Pavão, Lda., aqui.

.

.

.