AAVV, ANTES DE UM NOVO TEMPO – DEZ ENSAIOS SOBRE A ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES, 2023

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Antes de um Novo Tempo – Dez ensaios sobre a Escola Secundária de Camões

Organização: Hugo Cunha / Fotografia: António Júlio Duarte, Paulo Catrica, Pedro Letria, André Mega, Filipe Baixinho, Joana Formiga, Joana Franco, Madalena Lourenço, Miguel Veiros, Mónica Lapa Neves / Textos: João Jaime Pires, Sérgio Mah, Ana Maria Pereirinha, Margarida Vale de Gato, Mário de Carvalho, Nuno Júdice / Design gráfico: Manuel Rosa

Lisboa: Escola Secundária de Camões e Sistema Solar (Documenta) / Setembro . 2023

Português / 19.6 x 28.7 cm / 160 pp.

Cartonado, revestido a tecido azul escuro, cinta azul / 1500 ex.

ISBN: 9789895680825

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A renovação da Escola Secundária de Camões levou a múltiplos registos. Quem lá estudou ou leccionou tem uma memória, de espaços, equipamentos, pessoas. É assim que surge “Antes de um Novo Tempo”. Esta obra integra quatro portfólios: de Alunos da ES de Camões do ano letivo 2018/2019, registando aspectos da Escola e vivências pessoais, António Júlio Duarte regista o espaço do teatro e do convívio, o espaço físico está no olhar de Paulo Catrica e Pedro Letria mostra-nos “11 objectos didáticos + 13 alunos do 12.º ano“, a par com diversos textos: ensaios e testemunhos de vivências e de olhares de João Jaime Pires, Sérgio Mah, Ana Maria Pereirinha, Margarida Vale de Gato, Mário de Carvalho, todos eles alunos da escola , além de seis provas de contacto de chapas encontradas no Laboratório de Fotografia da Escola. A concluir, o poema “Uma teoria do reflexo”, Nuno Júdice, faz como que ‘um resumo’ da obra, uma história de amor.

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Hugo Cunha, coordenador da obra e professor de fotografia na Escola, regista:

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A Escola Secundária de Camões, vulgarmente conhecida como Liceu Camões, suscita emoções. Quem por lá passou dificilmente lhe fica indiferente. Hoje o Camões é uma escola muito dinâmica, com inúmeras atividades a envolverem alunos, professores, pessoal não docente, encarregados de educação, agentes culturais da cidade, entre outros.

Atualmente a Escola encontra-se em obras de requalificação. No novo Camões está a esperança do futuro, mas fica também a nostalgia da História e das memórias que ali se viveram e que marcaram, de forma indelével, os que por lá passaram, a cidade e o país. São essas histórias que fazem do Camões um Lugar, lugar de presente, de passado e de futuro.

É devido a esta história que a Escola sentiu a necessidade de registar o presente da escola antes das obras. Para tal dispôs-se a editar um livro que representasse esse tempo, o Camões antes do novo futuro. São as memórias que perduram de um tempo e espaço sem retorno.

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João Jaime Pires, diretor da Escola, escreve “Antes de um novo tempo”:

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Esta publicação é um desafio que acarinha a memória, exalta a renovação, revela os tempos.

Nas palavras e nos olhares de Ana Maria Pereirinha, Margarida Vale do Gato, Mário de Carvalho, Nuno Júdice, António Júlio Duarte, Pedro Letria e Paulo Catrica, e no sentir dos alunos André Mega, Filipe Baixinho, Joana Formiga, Joana Franco, Madalena Lourenço, Miguel Veiros e Mónica Lapa Neves, todos, com mestria passam o testemunho de uma escola secular construída por Ventura Terra, que se foi adaptando ao tempo e às modificações necessárias — a construção dos gabinetes de Física e Química, auditório, refeitório, pavilhão gimnodesportivo, integração do edifício da antiga escola António Arroio — espaços posteriores à construção inicial que marcam a história da escola e, consequentemente dos alunos que a habitaram, agora interligados pela mão com alma de João Falcão de Campos.

E também um sinal da mudança — no modo como olhamos para o que nos rodeia, como sentimos as transformações, como somos confrontados com a necessidade de dar vida a um espaço que o merece. Este é um livro de imagens que nos transporta do ser para o devir, do que a escola foi para aquilo em que se está a tornar. E devido a esta história que se sentiu necessidade de registar a memória e antecipar o futuro. A requalificação garante o despertar da atenção, cria mais condições para a comunidade escolar interagir com a comunidade envolvente. Diariamente circulam neste espaço duas mil pessoas de mais de cem nacionalidades diferentes, em três novas portas abertas a espaços desportivos e culturais dos quais toda a comunidade poderá continuar a usufruir, logo um espaço em que se vive a diversidade, a inclusão, o espírito de que «cada pessoa é um mundo».

(…)

Esta publicação é, por último, o sentido de uma viagem de descoberta onde o lugar se revela como espaço da intimidade e as imagens são marcas dessa atenção precisa sobre a dimensão humana dos objetos e dos lugares, entre o fotografar, o editar e o mostrar, a necessidade de regressar é tão forte como a de partir. Movido pelo otimismo, mas também pelo desassossego que partilhamos, convido-vos a fazer deste o nosso espaço, deste tempo a nossa viagem.

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Sérgio Mah escreve “Lugar de imagens”, onde aborda as diferentes sequências fotográficas da obra:

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Toda a nossa consciência individual e colectiva passa por entendimentos e relações com certos espaços, que reconhecemos no plano físico, simbólico e emocional. São espaços que se distinguem pela sua maior ou menor familiaridade, que sugerem e enquadram sentidos comuns e que, entre a proximidade e a distância, fazem parte do nosso imaginário privado e público. São esses espaços que ao longo do tempo fomos propriamente designando de Lugares.

Uma escola é certamente um lugar, uma combinação de diferentes aspectos, como a localização, um conjunto de características físicas e materiais específicas, e, por fim, o genius loci, o carácter inefável e distintivo que engloba os dados subjectivos e os significados emocionais que ligam as pessoas a esse lugar. Consequentemente, afigura-se também como um campo de imagens e de linguagens que cruzam inúmeras ressonâncias históricas, ficcionais e sociais.

Todas estas características ajudam a compreender a miríade de afecções que nos liga ao «Camões». Trata-se de uma realidade espacial e arquitectónica. E uma instituição com funções educativas, sociais e políticas. Mas é também, ou sobretudo, um lugar de encontro, de trocas e interacções entre pessoas, entre os estudantes e entre estes e as pessoas que asseguram a missão da escola.

 (…)

A diversidade e a amplitude que as diferentes abordagens fotográficas assumiram permitiu constituir um conjunto de imagens imensamente sugestivo sobre o «Camões» e sobre os vários níveis de representações, de vestígios e de tempos, que o distinguem como lugar. Observem-se as fotografias de Paulo Catrica. Vemos planos abertos sobre as diferentes áreas que constituem a escola, os pátios e os corredores, os laboratórios, a biblioteca e as salas de aula convencionais. Não aparecem pessoas. Mas a sua presença está latente. Os espaços estão impregnados de vida, vemos marcas de uso, inscrições nas mesas e nas paredes, vestígios de pequenos acontecimentos que testemunham os estratos de vivências que se acumulam nestes cenários.

Na escola existe um museu que detém um vasto espólio de materiais didácticos coligidos desde o início da sua actividade no início do século XX. Uma parte do trabalho de Pedro Letria incide sobre esses materiais: objectos para estudo anatómico, reproduções de animais e plantas, dispositivos ópticos. São imagens em que o rigor técnico e composicional permite enfatizar as qualidades formais dos objectos, conferindo-lhes até um certo valor escultórico. A outra parte do trabalho de Pedro Letria consiste numa série de retratos de alunos. São planos frontais e aproximados. Os visados olham para a lente, para o fotógrafo, ou melhor, dirigem-se para o espectador da fotografia, com ele estabelecendo um diálogo, um reflexo — em algum momento já fomos ou seremos alunos num contexto similar.

Uma escola é um palco de encontros, de personificações e de interacções corporais. Esse é, de algum modo, o mote que estrutura as fotografias de António Júlio Duarte. Não sabemos a natureza concreta das acções que nos são dadas a ver. Supomos que sejam situações registadas no decurso de um ensaio de uma peça de teatro. Num caso, duas figuras abraçam-se. Noutros, exibem poses peculiares ou assumem papéis no meio dos outros. As personagens representam, tal como qualquer sujeito na sua vida quotidiana. Projectam imagens para os outros.

E sabido que uma das qualidades mais incontornáveis da prática fotográfica é a sua propensão para os pequenos instantes de vida, como forma de assinalar momentos de relevância vivencial e relacional, situações em que o acaso, os afectos e os interesses imprevistos estimulam a tomada de vistas. Este tipo de motivações explica a maioria das fotografias realizadas por sete alunos. (…) Nota-se também um sentido lúdico e irreverente, o que torna este conjunto particularmente comovente. A escola é certamente o lugar de transmissão de saberes e de competências sociais, mas estas imagens relembram-nos que é também um lugar de expansão da imaginação e dos imaginários.

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Ana Maria Pereirinha escreve “Sobretudo não chatear o Camões”, Margarida Vale de Gato, “O Liceu”, Mário de Carvalho, “Casulo” e Nuno Júdice o poema que encerra a obra:

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UMA TEORIA DO REFLEXO

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Fecho os espelhos. Agora cada espelho

reflecte-se a si próprio, um sobre o outro,

até ao infinito dos reflexos. No entanto, um espelho

vazio não tem nada para reflectir, a não ser

o vazio das suas imagens. E todos os rostos que nele

se olharam, onde estão? Dos jovens aos velhos,

dos belos aos feios, dos que apenas se olham

de relance ou dos que se demoram a cuidar

a sua aparência, alguma coisa terá ficado

do tempo, pouco ou muito, que passaram

a cuidar da sua imagem. Pensando nisto,

e tentando aplicar a esta situação

a minha teoria do espelho, direi que

é no mais longínquo reflexo que, de súbito,

essas imagens ressurgem. Não as podemos

ver quando um espelho foi posto sobre

outro espelho; mas do infinito

desses reflexos, no ponto em que tudo

escapa ao nosso olhar, nesse ponto em que

as imagens são tão longínquas que mal

as podemos distinguir, há rostos que surgem;

e de entre todos eles vem esse rosto que eu vi,

uma tarde, cuidando das suas pálpebras

tingidas de amor, e me olha, como se eu estivesse

no mais fundo do outro espelho, e ambos

nos reconhecemos, sobre todo o tempo

que passou, como se os nossos reflexos

se pudessem tocar.

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AAVV, Antes de um Novo Tempo – Dez ensaios sobre a Escola Secundária de Camões, 2023

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Na próxima 6.ª feira, 12 de janeiro de 2024, às 19:00, este será o livro em diálogo no Photobook Club Lisboa, com a presença de Hugo Cunha, Paulo Catrica e João Jaime, em Lisboa, no âmbito do novo projeto Finita, na Galeria Imago, na Rua do Vale de Santo António 50C e também on-line (neste caso, bastará enviar um email, solicitando o link de acesso, para <theportfolioproject@gmail.com>).

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Sobre a Escola Secundária de Camões no FF, aqui e a série “A Escola entre dois tempos”: aqui, aqui, aqui.

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