JOSÉ ROBERTO BASSUL, SIZA E OSCAR: PARA ALÉM DO MAR

Exposição na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, de 7 de setembro e 14 de outubro de 2023.

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Siza e Oscar: para além do mar, exposição inédita do fotógrafo brasileiro José Roberto Bassul, é um diálogo visual entre a arquitetura de Siza Vieira no Brasil e a de Oscar Niemeyer em Portugal.

Siza tem apenas uma obra no Brasil, o edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre. Oscar, por sua vez, tem também apenas um projeto edificado em Portugal, o Hotel Pestana Casino Park na Ilha da Madeira. Ao constatar essa coincidência, Bassul fabulou um diálogo abstrato entre dois dos maiores expoentes da arquitetura modernista em todo o mundo.

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José Roberto Bassul regista:

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Quando fotografei, em 2019, o extraordinário edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, sabia que essa era a única obra de Álvaro Siza Vieira edificada no Brasil. Com a câmera, recolhi, em nuances de cinza, fragmentos visuais da sutileza do maior arquiteto português.

Tempos depois, percebi uma incrível coincidência. Oscar Niemeyer, o mais importante arquiteto brasileiro, tem também apenas uma obra em Portugal: um hotel na Ilha da Madeira. Em 2021, quando uma trégua da pandemia o permitiu, também ali recolhi, mais escuras e contrastadas, frações abstratas do edifício.

Construí então um diálogo visual entre esses dois imensos modernistas, um de expressão mais silente, outro mais eloquente.

Cada qual a um lado do Atlântico, encontraram-se poucas vezes.

Nas licenças da imaginação, contudo, conversam intensamente. E falam a mesma língua. Não apenas o português, mas o idioma sem fronteiras da poesia.

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Ângela Berlinde, curadora da exposição, escreve:

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PARA ALÉM DO MAR

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O real não está na saída nem na chegada,

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.

Guimarães Rosa

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Mirar a obra do artista José Roberto Bassul a partir de dois pontos do hemisfério é um convite a um movimento de rotação que requer fôlego, em especial quando atravessados por “tanto mar”¹, com todos os seus desejos, dramas e contradições. A sua poética, simultaneamente contida e desconcertante, reside em conduzir o espectador num vai-e-vem entre as obras de dois dos mais grandiosos arquitetos modernistas do nosso tempo. Bassul convida-nos a escutar os batimentos cardíacos que marcam o fluxo e os desejos deste movimento transatlântico: do lado de cá, a eloquente ousadia do Hotel Pestana Casino Park na Ilha da Madeira, obra única em Portugal do brasileiro Oscar Niemeyer. Do lado de lá, a elegância silente do edifício da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre no Brasil, também obra única da autoria do português Álvaro Siza Vieira.

Nesta travessia, a intenção é provocar sentidos e sobressaltos na linguagem², afastando-nos da representação literal e convidando-nos ao mergulho numa conexão profunda entre os sentidos e a imaginação. Entre cá e lá, estamos perante uma composição entre-lugares, contada através dos traços nuançados de Bassul, que ousa fabular conversas entre eles e explorar frações ocultas nas entrelinhas de cada obra. O centro nevrálgico da sua investigação é, como o próprio artista aponta, “a travessia do mundo concreto das edificações para o território impalpável dos sentidos”. Esta coleção abre assim uma onda na qual as imagens-poema assumem a condição de desenhos, cortes e brechas. E, como tal, encenam uma ligação que se tateia, experimenta e descobre a cada movimento, numa fisicalidade tão provocadora quanto melancólica. Bassul revela uma habilidade única de amalandrar forças opostas: poder e simplicidade, imponência e subtileza, senso público e intimidade, sempre movido por uma força a um só tempo afetiva e transformadora. A perambular entre o estético, o poético e o político – inspirado nos legados de Lygia Clark e Hélio Oiticica – Bassul entrelaça-se no diálogo entre linhas e formas como se dançasse num mundo imaginário. Seus micro-poemas desvelam um aspeto lírico na atmosfera por vezes agressiva e excludente da cidade. Evidenciam assim que, mesmo conscientes das imperfeições do mundo, haverá sempre lugar para o vivermos poeticamente. E é

admirável o quanto a troca se faz verdadeiramente livre e profunda, fazendo-nos crer que as fotografias assumem a forma de esquissos numa folha em branco, como se naquele gesto coubesse toda a imagem possível: a do sonho.

O artista entrega-se à premissa de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas a par da inquietação e Desassossego de Fernando Pessoa. É aqui que Bassul mais se destaca numa das suas qualidades mais distintas: a ousadia de captar enigmas, num pensamento que constata as formas, as configurações existentes, em pleno equilíbrio entre a razão e a poesia, entendendo a realidade como construção e mergulhando na vertigem da experiência. É impossível não se surpreender com esta travessia, não reagir perante o enigma da sua obra que, com o seu próprio movimento de rotação, se expande e contagia entre mares e hemisférios – sentindo as vibrações do entorno e a reverberação que as travessias sempre causam.

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Ângela Ferreira

[aka Berlinde, Porto, 1975] Artista, curadora e investigadora. Atua no domínio de investigação sobre as formas híbridas da fotografia. Vive entre Portugal e Brasil.

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1 “Tanto Mar”, título da canção composta por Chico Buarque de Hollanda para homenagear o 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, em Portugal

2 Como Ítalo Calvino anteviu, “não há linguagem sem engano”, e o cosmos também pode ser procurado dentro de cada um de nós, como caos indiferenciado, como multiplicidade potencial.

CALVINO, I.— «Começar e Acabar». Seis Propostas para o próximo milénio

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José Roberto Bassul, Siza e Oscar: para além do mar

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A exposição de José Roberto Bassul, “Siza e Oscar: para além do mar”, com curadoria de Ângela Berlinde, está patente no Espaço Luís Ferreira Alves da Casa da Arquitectura, em Matosinhos, de 7 de setembro e 14 de outubro de 2023

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Arquiteto e fotógrafo, José Roberto Bassul nasceu no Rio de Janeiro [1957] e vive em Brasília. Define sua fotografia como “uma tentativa de desenhar pensamentos, de projetar desejos, de construir espaços para a imaginação”. Ora em construções visuais geométricas e abstratas, ora em abordagens experimentais, seu trabalho volta-se para a arquitetura, a paisagem urbana e para aspectos contemporâneos da vida nas cidades.

Recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, entre os quais o 1º lugar no 10º Prix Photo AF 2021, o Prêmio América Latina do FotoRio 2020, o de Fotolivro do Ano no Moscow Int’l Foto Awards – MIFA 2020 e o 1° lugar, por duas vezes, no Int’l Photography Awards – IPA 2018 e 2021.

Publicado em revistas especializadas no Brasil, França, EUA, Inglaterra, México, Argentina, Itália e Espanha, seu trabalho tem sido frequentemente exposto em festivais, galerias e museus, em dez mostras individuais e dezenas de exposições coletivas no Brasil e no exterior. Publicou os fotolivros Paisagem Concretista (2018) e Sobre Quase Nada (2020). Tem obras em importantes coleções privadas e nos acervos permanentes do Museu Nacional da República, em Brasília, do MAM – Museu de Arte Moderna e do MAR – Museu de Arte do Rio, no Rio de Janeiro, da Coleção Diário Contemporâneo, em Belém, do Museu da Fotografia, em Fortaleza, do IMS – Instituto Moreira Salles, em São Paulo, da École Nationale Supérieure de la Photographie, em Arles, e da BnF – Bibliothèque Nationale de France, em Paris.

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Cortesia: José Roberto Bassul.

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