BF22: BATIA SUTER, GARY HILL, PAULO LISBOA, NÃO OLHAMOS DUAS VEZES A MESMA IMAGEM . 1
Exposição integrante da Bienal de Fotografia 2022, patente na Fábrica das Palavras, em Vila Franca de Xira, de 12 de novembro de 2022 a 26 de fevereiro de 2023.
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Parte integrante da Bienal de Fotografia 2022 de Vila Franca de Xira, a exposição do Prémio da Bienal, da qual já apresentei alguns projetos (e em breve os restantes), além de duas exposições que compõem o projeto curatorial, este biénio, da responsabilidade de Ana Rito: “Diante-Dentro” e “Não Olhamos Duas Vezes a Mesma Imagem”. Desta exposição mostro agora as obras de Batia Suter, Gary Hill e Paulo Lisboa, na próxima publicação, Os Espacialistas & Gonçalo M. Tavares, Pierre Coulibeuf e Raquel Melgue.
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Sobre o “Conceito Curatorial”, escreve a curadora, Ana Rito:
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Panta Rhei. Tudo flui. Tal qual o rio de Heráclito: «Nenhum homem se banha no mesmo rio duas vezes, pois não é o mesmo rio e ele não é o mesmo homem», assim é com as imagens paradoxais. As águas que banham a Lezíria parecem estáticas, mas correm, gerando um fluxo constante de imagens. Não olhamos duas vezes a mesma imagem, porque esta é sempre outra, na medida em que aquele que a olha é sempre outro; Não existem, portanto, imagens fixas. A técnica parece afirmá-lo, mas estas são percepcionadas sempre por um sujeito em movimento, em constante mutação. Ao devir, à impermanência que nos aponta o filósofo grego, acrescentamos o conceito de paralaxe: um aparente deslocamento do objecto observado, aqui imagem, que é causado por uma mudança no posicionamento do observador.
Ora, é precisamente no intervalo entre o fixo e o movente, a imagem e o corpo, o óptico e o háptico, que nos situamos: no território das imagens paradoxais que são duplas por natureza.
O programa curatorial apresenta um conjunto de obras de artistas nacionais e internacionais que permite criar zonas de contacto e de diálogo. Considerando as relações entre a fotografia e a literatura, a escultura, o desenho, o cinema ou a vídeo arte, as duas exposições são concebidas como constelações entre universos autorais: do campo expandido da fotografia ao objecto.
Tendo como ponto de partida o enquadramento da paisagem e a dimensão imagética da palavra, NÃO OLHAMOS DUAS VEZES A MESMA IMAGEM, propõe várias intervenções nos espaços da Biblioteca (incluindo as salas de leitura) combinando fotografia e imagem em movimento na constituição de uma poética cruzada entre medium/matéria e lugar. Desde o conceito de “esquisso fotográfico” à foto-instalação, passando por manifestações de carácter híbrido, esta é uma proposta que coloca em cena o espaço agora ocupado, o texto-imagem ou a janela-ecrã que o emoldura.
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Nota: Os textos que se seguem, e que acompanham as obras de cada artista, são objectos que se afastam do tradicional texto explicativo, articulando um conjunto de referências abertas e auto-citações que funcionam como pedaços de um caleidoscópio próprio em constante mutação (absorção e variação), como uma tradução ou nota de rodapé, aplanando um certo horizonte especulativo e poético.
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BATIA SUTER, Seat, 2014 – Waterfront #1 e #2, 2022
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Batia Suter, Seat, 2014 (Projeção vídeo sobre uma cadeira pertencente a Alves Redol, design de Antero Ferreira, c. 1935-36) – Waterfront #1 e #2, 2022
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Ora, em Matéria e Memória, Henri Bergson apresenta a imagem de um universo em permanente movimento, formado por imagens que agem e reagem umas às outras. Relativamente às representações anteriormente proporcionadas pela ciência, esta proposição tem a vantagem de oferecer uma imagem móvel, constituída por elementos heterógenos compostos de modo a criar contactos (redes, atlas) sempre provisórios. Esta é a constelação que constitui Waterfront.
A obra Seat constitui-se de um grande arquivo de imagens projectadas onde é possível constituir uma espécie de léxico formal de diferentes cadeiras que lembram a relação do corpo com este objecto específico de design. O dispositivo arquivístico que a artista emprega cria uma situação em que a constelação de imagens de diferentes fontes se projecta literalmente numa cadeira pertencente ao escritor Alves Redol, não só enfatizando o seu valor histórico mas também criando uma ligação anacrónica entre tempos e configurações. Imagens duplas. Tempos duplos.
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António Bracons, Aspetos da exposição, Seat, 2014, 2023
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António Bracons, Aspetos da exposição, Waterfront #1 e #2, 2022, 2023
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GARY HILL, Loop Trough, 2005
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Gary Hill, Loop Trough, 2005
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Ao contrário de “look trough” (ver através) que parece indicar uma linha recta, a linha de “loop trough” é circular. Loop Through. É a obra de Gary Hill que nos guia neste deslocamento. Percorrer. Ir de uma ponta a outra e voltar. Uma e outra vez. Distender o intervalo que se estabelece no momento em que a imagem – que se olha a si mesma, olha de volta o espectador: a mesma imagem que se fixa naquele que a fixa, reposicionando-se a cada olhar. Tudo fluí. Tal qual o rio de Heráclito. Em Loop. Imagens que olham de volta. Ora, olhar é fazer brotar movimentos ínfimos entre as coisas (repito). Reparar uma e outra vez. Sabendo que a primeira não será igual à segunda. Que aquilo que se segue não se equipara ao que o antecedeu. Que a repetição (do olhar) não encontra o semelhante, mas o outro. A variação. Como José Gil, o que se propõe é fundamentalmente a noção de “sensação pura”: uma percepção visual anterior ao ver, um olhar apenas. Um mesmo olhar que “esquece” o significado, a intenção, o sentido e fixa-se no fluxo (das imagens, das superfícies, das películas, dos ecrãs).
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António Bracons, Aspetos da exposição, 2023
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PAULO LISBOA, Sem título, 2019
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Paulo Lisboa, Sem título, 2019
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Pensar a imagem implica uma aproximação multidimensional: olhá-la de frente e ponderar os seus limites, os seus lados, as suas fronteiras, a sua moldura, o seu avesso. Abordar este «para lá» da imagem requer uma sucessão de projecções imaginárias enformadas pelas nossas próprias narrativas, pela própria ontologia dos ecrãs e das imagens, na tentativa de estabelecer uma qualquer relação com aquilo que se nos apresenta como impenetrável e incognoscível à partida. Alinhamos a nossa percepção e a nossa posição em relação à imagem a partir destas projecções, num jogo duplo que oscila entre estados de aproximação, como mergulho ou imersão, e afastamento. No entanto, pensar-projectar também implica distender, dilatar, expandir, deslocar (os corpos as matérias, as linguagens). E, quando — apenas quando — queremos tornar esta imagem visiva, surge a necessidade de intersectar este pensamento-projecção com um plano perpendicular: uma superfície que detenha a «coisa» flutuante e lhe dê uma moldura de visibilidade. E, que por sua vez, a torne espelho. Reflexo. Dobra.
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António Bracons, Aspetos da exposição, 2023
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A exposição “Não Olhamos Duas Vezes a Mesma Imagem”, com obras de Batia Suter, Gary Hill, Os Espacialistas & Gonçalo M. Tavares, Paulo Lisboa, Pierre Coulibeuf e Raquel Melgue, integra a Bienal de Fotografia 2022, está patente na Fábrica das Palavras, no Largo Mário Magalhães Infante, n.º 14, em Vila Franca de Xira, de 12 de novembro de 2022 a 26 de fevereiro de 2023.
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Sobre esta edição da Bienal, escreve a organização:
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A “Bienal de Fotografia” de Vila Franca de Xira afirma-se em 2022, trinta e quatro anos volvidos desde a sua criação, em 1989, como o mais antigo evento de premiação exclusivamente dedicado à cultura fotográfica no nosso país, ostentando por isso um histórico assinalável ao nível da promoção da prática fotográfica portuguesa.
Apontada desde o início à revelação de novos talentos na área da fotografia artística, a Bienal apresenta uma matriz que partiu da estreita relação com as instituições de ensino artístico no âmbito fotográfico, para se projetar hoje, cada vez mais, na atenção à iniciativa individual dos artistas que fazem uso da fotografia numa perspetiva abrangente e transdisciplinar. Defensora do valor da descoberta e da avaliação da experiência visual que designamos como “fotografia”, a Bienal continua apostada em celebrar a liberdade e a ousadia do processo criativo, empenhando-se na consolidação de um programa cuja amplitude, dividida entre a premiação (Patriarcal) e a ação curatorial (Fábrica das Palavras e Museu Municipal), assegura à nossa cidade um estatuto de referência, no que à prática da fotografia contemporânea diz respeito.
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Ana Rito. Artista visual, curadora, investigadora e docente universitária. É Doutorada em Belas Artes pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, na especialidade de Instalação. Desenvolve, desde 2002, projectos que cruzam a prática artística e curatorial, sendo o seu domínio de especialização a performatividade da imagem movente e as dinâmicas do espectador, no seio do dispositivo expositivo.
Foi Assistente de Curadoria do Dr. Jean-François Chougnet, Director do Museu Colecção Berardo de 2007 a 2011, tendo desenvolvido investigação curatorial, e assistido vários curadores e artistas. Dos seus projectos curatoriais destacam-se a exposição SHE IS A FEMME FATALE: artistas mulheres na Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Museu Colecção Berardo, One Woman Show, Organização do Ciclo de Filmes em colaboração com o Festival Temps d`Images (2009); SHE IS A FEMME FATALE#2, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Biblioteca do Campus de Caparica, Almada, em 2010 OBSERVADORES Revelações, Trânsitos e Distâncias, Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Museu Colecção Berardo (2011); CURATING THE DOMESTIC Images@home, Trienal de Arquitectura de Lisboa (2013); A IMAGEM INCORPORADA/THE EMBODIED VISION: Performance para a câmara, Museu Nacional de Arte Contemporânea Museu do Chiado (2014); Arquivo e Democracia, de José Maçãs de Carvalho, MAAT (2017), CONSTELAÇÕES: uma coreografia de gestos mínimos (2019-2022), UMA VIDA INTEIRA – Nuno Sousa Vieira, BAG – Leiria (2021), ENIGMA – Pierre Coulibeuf (2022).
Desde 2002, no desenvolvimento dos seus projetos artísticos e curatoriais, colaborou com as seguintes instituições e agentes, entre outras: MACBA, Warburg Institute, Arquivos Yves Klein, Haus Lange-Haus Esters – Kunstmuseen Krefeld, Museu do Chiado, Museu de Serralves, Fundação Calouste Gulbenkian, Casa das Histórias, Centro Georges Pompidou, Trienal de Arquitetura, Arquivos Walter Benjamin, Festival Temps d’Images, Eletronic Arts Intermix, Festival Internacional de Vídeo FUSO, CAPC- Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, MUCEM, Marselha. Autora de livros e catálogos de exposição e de ensaios para catálogos de exposição, membro de júris nacionais e internacionais, é também Curadora Associada da plataforma UmbigoLAB e da ArtCuratorGrid/ArtPool.
É atualmente Investigadora Integrada do CEIS20_Universidade de Coimbra, sendo co-coordenadora da linha de investigação Arte e Performance (Performatividade da Imagem). Lecciona nos Cursos de Mestrado em Estudos Curatoriais e de Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. É Sub-Directora do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.
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Sobre a segunda parte desta exposição no FF, aqui.
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