NUNO PINTO FERNANDES E TIAGO MIRANDA, FOTOJORNALISMO: UMA JANELA ABERTA AO MUNDO
Exposição organizada pela associação cultural CC11 e a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, patente na Galeria de Santa Maria Maior, na Rua da Madalena 147, em Lisboa, de 11.11 a 31.12.2021.
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Não podemos focar com medo no olhar. Não podemos envolver os nossos sentimentos. Temos, no entanto, de ser nós mesmos. O nosso trabalho é reportar os eventos da história.
Philip Jones Griffiths
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Fátima Lopes Cardoso, jornalista, professora e investigadora do ICNova-FCSH (Universidade Nova), na área da fotografia documental e fotojornalismo, escreve:
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Se existe um lugar maior para o fotojornalismo, encontra-se na capacidade de revelar acontecimentos que, de outra forma, seriam desconhecidos. Uma realidade só surge na consciência coletiva quando se torna visível. Recorde-se, por exemplo, a fome em África, em especial na Etiópia, Eritreia e Sudão, que tanto chocou o mundo nos anos 80 e início de 90, por ser mostrada até ao expoente máximo da informação. Desses tempos, ficaram iniciativas como U.S.A.- We Are the World, em que 40 artistas, entre os quais as maiores estrelas da pop, apelaram à união entre as pessoas para, através da música, combaterem a pobreza em África. O tema foi tão mediatizado que a iniciativa, segundo o jornal USA Today, rendeu à organização sem fins lucrativos USA for Africa, mais de 75 milhões de dólares que seguiram para a causa nobre.
A fome, entretanto, desapareceu dos ecrãs e das páginas de jornais, quando o interesse mediático se virou para os Balcãs, onde conflitos sangrentos mancharam de sangue a antiga Jugoslávia, como já não acontecia na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A imagem de cidades e de povoações destruídas, de gente sofrida, percorreu o mundo, num novelo de notícias e reportagens sem fim. Nos idos anos 90, aos olhos do observador, a miséria em África foi substituída pelas guerras na Bósnia-Herzegovina, Krajina, Kosovo e outras geografias vizinhas. Foi como se os 150 milhões de pessoas, de acordo com dados da ONU relativos a 2020 – à altura seria um número superior-, tivessem deixado de sofrer de subnutrição grave no grande continente. Até hoje, as notícias sobre a pobreza em África surgem nos noticiários a conta-gotas. Entretanto, com os atentados de 11 de setembro, a atenção da Imprensa virou-se para o Médio-Oriente, construindo a ideia de opressão e de perigo iminente que levaria à polarizada Guerra do Iraque.
Na atualidade, como se sabe, a agenda mediática internacional está centrada na tomada de poder dos talibãs, no Afeganistão, e nas consequências para a educação de meninas e futuro das mulheres. Há sempre janelas que se abrem nos media e outras que se fecham condenando ao esquecimento realidades que exigiriam esforços do mundo e “inteligência coletiva”, citando o filósofo Pierre Lévy, para chegar a uma solução. Em Fotojornalismo: Uma Janela Aberta ao Mundo, a exposição leva-nos ao encontro da realidade pós-Idai, em Moçambique, e conduz-nos depois para o maior campo de refugiados da Europa, em Calais. O texto segue, no entanto, a ordem cronológica dos acontecimentos.
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Nuno Pinto Fernandes, O fim da linha
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Nuno Pinto Fernandes, O fim da linha
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Ciente da necessidade de tornar visível e de que a fotografia pretende ser, de alguma forma, um contributo para a solução, Nuno Pinto Fernandes sabe que o mais importante no jornalismo é mostrar, revelar o desconforto dos dias para que quem esteja sentado no sofá a ler o seu jornal vá ao encontro do Outro ao olhar a realidade eternizada pela câmara. Em outubro de 2016, viajou para Calais, no norte de França, para, através dos seus registos, denunciar o tratamento xenófobo e cruel de que estavam a ser vítimas os migrantes no maior campo de refugiados da Europa.
Para as pessoas que são imortalizadas na narrativa O Fim da Linha, é como se o sonho de atravessar o Canal da Mancha rumo ao Reino Unido tivesse ficado preso no arame farpado que querem transpor. Entre 1999 e 2002, Sangatte foi criado para receber centenas de pessoas, com a Cruz Vermelha instalada no local para zelar pelos cuidados humanitários, mas tornou-se o refúgio de mais de 1,5 mil afegãos, curdos iraquianos e do Kosovo. Alguns conseguiram entrar no Reino Unido com a ajuda de traficantes; a maioria resiste, à espera da oportunidade.
As proximidades do Porto de Calais, onde nascia a The Jungle, tornaram-se o retrato dos campos de concentração dos tempos modernos, onde se acumulava um número sempre crescente de pessoas. Quando os governos francês e britânico perceberam que o lugar funcionava como um íman que atraia cada vez mais migrantes e que era neste local que se estabeleciam os contactos para a travessia clandestina do Canal da Mancha, decidem pelo seu desmantelamento.
Em outubro de 2016, de acordo com as autoridades locais, seriam 4,5 mil pessoas vindas da Síria, Eritreia, Sudão do Sul e Afeganistão. Grupos humanitários descrevem, no entanto, que Sangatte abrigaria cerca de 9 mil pessoas, com as vidas adiadas e arrumadas em tendas, sem quaisquer condições de salubridade. A religião e o racismo entre as diferentes nacionalidades geravam momentos de tensão, incêndios e lutas constantes, mas também se assistia a manifestações de afeto e de entreajuda captadas por Nuno Pinto Fernandes. Neste fim da linha, alguns refugiados foram enviados para outros campos na Alemanha, Suíça, Holanda e Inglaterra, mas muitos ficaram à deriva nas ruas de França e de Calais, convencidos que, um dia, conseguiriam entrar ilegalmente no Reino Unido.
Dos 21 dias que o fotojornalista passou na selva improvisada, nasceram fotografias que nos revelam a miséria em que vivem os que guardam na alma um sonho e o inferno em que se tornava o campo durante os confrontos com a polícia. Mostram um lugar em estado de sítio, irrespirável e habitado por pessoas como nós e que só querem sobreviver, mesmo que em revolta e inquietação permanente.
No geocentro europeu do caos humano, também emergia a esperança e sinais de que o fim da linha não seria neste lugar. Espelho do sentido humanista que é próprio do fotojornalismo, as imagens perenes de Nuno Pinto Fernandes são como uma janela aberta para Calais, um grito que nos diz que é necessário agir e libertar estas pessoas da armadilha para onde o sonho as levou.
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Tiago Miranda, O dia em que a terra se fez mar
Com textos de Raquel Moleiro
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Tiago Miranda, O dia em que a terra se fez mar
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De O Fim da Linha do maior campo de refugiados da Europa, a janela abre-se para a tragédia causada pela passagem do ciclone Idai, que arrasou povoações e a vasta paisagem da região da Beira, no norte do belo país que é Moçambique, em março de 2019. As fotografias de O Dia em que a Terra se Fez Mar mostram paisagens sob um céu zangado, aldeias destruídas e cobertas de lama, destroços que ficaram para nos recordar o quanto frágil é o Homem perante a fúria da natureza. Só que o ser humano também é um filho da natureza que guarda no seu interior a força de um ciclone. Há que reerguer tabancas com materiais improvisados até que os preços do comércio e dos materiais de construção baixem.
Na viagem que levou Tiago Miranda e Raquel Moleiro à Beira – através dos contactos com a ACERT (Associação Cultural e Recreativa de Tondela), que desenvolveu um conjunto de iniciativas para ajudar a Escola Secundária da Manga, a mais afetada pelo ciclone Idai -, os dois repórteres vão ao terreno para ver e descrever o cenário de isolamento e destruição, mas sobretudo como as gentes simples de Moçambique se erguem no pós-Idai. No caminho de Búzi, a vila mais atingida, os jornalistas cruzaram-se com Venâncio, que, de olhar firme e segurando a sua bicicleta pela mão, leva o filho pequenino e é acompanhado por outro mais velho que andou descalço, durante dez horas. Como os textos de Raquel Moleiro revelam, o objetivo era procurar mantimentos que não chegaram durante o bloqueio, mesmo que para os obter, fosse necessário caminhar até ao infinito. Nas ruas, encontraram crianças com os corpos submersos na água que não desistiram de sorrir, apesar de terem vivido dias no inferno; registaram os afetos e a resiliência deste povo tão especial.
A janela abriu-se e, apesar do infortúnio, fica a esperança. A ideia de que é possível evitar que a luta destas gentes seja tão dura, na reconstrução do que se perdeu. Com a solidariedade dos portugueses e de outras nações, o que demoraria décadas pode levar só alguns anos.
É necessário ajudá-las a esquecer “o dia em que a terra se fez mar”.
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“O Dia em que a Terra se fez Mar”, de Tiago Miranda e “O Fim da Linha”, de Nuno Pinto Fernandes, formam a exposição “Fotojornalismo: uma janela aberta ao mundo”, organizada pela Associação Cultural CC11 e a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, patente na Galeria de Santa Maria Maior, na Rua da Madalena 147, em Lisboa, de 11 de novembro a 31 de dezembro de 2021.
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Visita guiada com Tiago Miranda, dia 14 de dezembro de 2021, às 18:00.
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Todos os textos são de Fátima Lopes Cardoso, da folha de sala.
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A associação cultural CC11, foi fundada no início do ano 2020 e tem como finalidade divulgar e promover a fotografia e o fotojornalismo em Portugal.
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Pode conhecer no FF outros trabalhos de Tiago Miranda, aqui e da associação cultural CC11, aqui.
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Cortesia: Associação cultural CC11.
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