BF20 – BIENAL DE FOTOGRAFIA DE VILA FRANCA DE XIRA . 2 – HUMBERTO BRITO, STEFANO MARTINI, HUGO DE ALMEIDA PINHO

Exposição no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira, de 16 de abril a 16 de maio de 2021.

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A Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira de 2020 apresenta-se de 16 de abril a 16 de maio de 2021, devido à pandemia de COVID-19 e ao estado de emergência.

São nove os artistas selecionados, que apresentam os seus projetos: Ana Janeiro, Beatriz Banha, Daniela Ângelo, Elisa Azevedo, Frederico Brízida, Hugo de Almeida Pinho, Humberto Brito, Stefano Martini e Teresa Huertas. Ao longo de três publicações apresento os seus trabalhos.

Hoje, os projetos de: Humberto Brito, “Estrada e fantasmas”; Stefano Martini, “Riviera” e Hugo de Almeida Pinho, “Estado de exceção”.

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HUMBERTO BRITO, ESTRADA E FANTASMAS

Menção Honrosa da Bienal de Fotografia BF20.

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2021

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Humberto Brito apresenta 20 impressões (2 PA) de 20 x 20 cm, montadas em molduras de 46 x 41 cm, com passe-partout.

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Estas imagens foram feitas por toda a Península de Setúbal, entre 2018 e 2019. Quis aprender a aceitar aquela paisagem vulgar, disfuncional e algo hostil, da qual tinha procurado separar-me ao longo da minha vida adulta. Não gostar da paisagem do meu passado era de certo modo ter aversão por mim mesmo. Tive vergonha desse sentimento. Quis abraçar as suas falhas, da mesma maneira que, como escreveu Wittgenstein, devemos aceitar as imperfeições no nosso rosto.

Olhando para as imagens que fiz, lembro-me da resposta de Garry Winogrand quando lhe perguntaram se aspirava a ser «transparente», como Evans. Respondeu que «gostaria de não existir» mas «estou encalhado em ser eu». Estas imagens mostram-me isso mesmo. Não só uma paisagem à qual estou preso (preso como um pombo às suas coordenadas) mas também uma fisionomia da qual não posso libertar-me, e que devo saber aceitar. São auto-retratos em estilo topográfico. Espelhos e janelas. As duas coisas.

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Humberto Brito

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STEFANO MARTINI, RIVIERA

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2021

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Stefano Martini apresenta 8 fotografias e um livro (que eu gostaria de ter podido folhear).

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A série Riviera, realizada entre 2018 e 2019, é uma investigação territorial sobre a Margem Sul do rio Tejo, em Portugal. O projeto convoca as diversas relações do espaço com o tempo e a utilização geográfica ao redor do seu estuário.

Atravessando um registo documental entre o passado industrial e remanescente, moradias, áreas em eminente transição em função da especulação imobiliária e a marcante conexão e contraste com Lisboa na outra margem, dessa forma são evidenciadas as transformações urbanas que aparecem como marcas de contextualização social e política.

Emprega como narrativa o registo do espaço contemporâneo e a interseção da arquitetura com o ambiente, provocando a indagação e reflexão de sua constituição individual e coletiva, revelando os impactos de um mundo globalizado em constante modificação.

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Stefano Martini

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HUGO DE ALMEIDA PINHO, ESTADO DE EXCEÇÃO / STATE OF EXCEPTION

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2021

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Hugo de Almeida Pinho apresenta uma instalação com vários elementos destacando-se a projeção de 81 slides com um objeto motorizado que faz girar de forma síncrona um circulo metálico, opaco, frente à objetiva do projetor. Este projeta sobre uma estrutura suspensa e sobre as paredes envolventes.

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Nem o Sol nem a morte podem ser vistos fixamente. (1)

Heráclito

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Para Derrida, o termo francês point de vue existe duplamente como um ponto de vista, uma visão ou perspetiva, e uma privação de visão, uma cegueira e ocultação (2). Esta invisibilidade constitutiva da visão é medial em Estado de Exceção / State of Exception (3), uma série fotográfica realizada em diferentes cidades europeias, que regista diferentes reflexos solares em superfícies exteriores espelhadas ou refletoras, convocando uma inadaptação do olho (humano e mecânico) às condições impostas pela luz. Se a visão humana se ordena fisiologicamente em redor do seu ponto cego (a região da retina onde não existem células sensíveis para detetar a luz), este olhar frontal para o sol provoca um dano na visão visto que esta não está adaptada ao sol mas à luz solar difundida pelos objetos circundantes, mas também na própria captação da imagem fotográfica – e, simbolicamente, na sua condição enquanto arte referencial de contiguidade física com o signo.

É a partir deste carácter espectral do olhar que se pode abordar a ideia derrideana de uma visão que leva em conta o piscar dos olhos – uma ação que não é apenas uma privação de vista, mas aquilo que permite a visão. Tal como a experiência tencionada da captação dos reflexos solares repentinos e transitórios da cidade, existe uma ofuscação ou cegueira temporária evocada na forma como a projeção de slides exibe imagens transitivas que intermitentemente aparecem e desaparecem; isto é, imagens inerentemente permanentes expostas através de uma impermanência contínua.

Esta desconstrução da plenitude do olhar surge igualmente na caixa de luz situada no exterior da black box e colocada num lugar de passagem coletiva. A sua imagem é sobreposta por um filtro de privacidade, uma película que mantém os ecrãs digitais das ATM, computadores, smartphones ou tablets, ocultos para quem os olha de lado. Formando-se entre o latente e o lateral – tal como a própria experiência de captação destes reflexos citadinos –, esta caixa de luz sobrevém sob o signo do desvio (do mover num sentido diferente), cujo significado implica a ideia de descaminho, de mudança de direção e de percurso alternativo face a um padrão conveniente. A fotografia constrói-se portanto num ponto cego entre uma zona de luz e visibilidade e uma outra de obscuridade e desaparição que criticamente inscreve o lugar contemporâneo da tecnologia e da sua difusão massiva e desmaterializada de imagens; trata-se portanto de interpelar o excesso do visível produzido atualmente pela imagem que desfaz a ideia do olhar enquanto origem de certeza: «Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem» (4).

A subordinação da privacidade ao excesso de exterioridade e de visibilidade pela tecnologia é manifesta no vazio sombrio, enigmático e insondável que estas imagens estabelecem enquanto resposta critica à fragilidade do mundo contemporâneo; tal como revela a imagem de uma varanda com duas cadeiras vazias que assinala profeticamente um ambiente fantasmagórico e distópico vinculado ao isolamento, à desaparição e ao confinamento.

Numa perceção simultaneamente concreta e onírica da atmosfera urbana, Estado de Exceção / State of Exception inscreve-se numa mise-en-abyme entre o reflexo, o sol, a luz, o olho, a impermanência e a ausência. Esta obra concebe-se num jogo de dobras e reflexos que convoca e invoca uma pulsão distópica, profética, mística e insólita, onde aprisionar a fugacidade da matéria inconcreta da luz – enquanto ato e potência – eleva aqui uma perceção inscrita numa forma apocalíptica, que na sua derivação grega apokálypsis designa justamente a ideia de revelação – «o descobrimento, o desvelamento, o véu erguido sobre a coisa» (5).

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Hugo de Almeida Pinho

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Notas

(1) «Fixamente» designa neste contexto frontalmente. Ver: Maia, Tomás (2016). O Olho Divino – Beckett e o Cinema. Lisboa: Documenta.

(2) Derrida, Jacques (2010). Memórias de Cego – O Auto-Retrato e Outras Ruínas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

(3) State of Exception (estado de exceção, o mesmo que estado de sítio ou estado de emergência) é o nome do livro publicado em 2003 por Giorgio Agamben acerca das consequências ético-políticas dos estados de exceção decretados por governos democráticos. No limite entre o direito e a política, o estado de exceção conduziu historicamente a ações políticas e governamentais que incidem negativamente sobre os direitos e as liberdades individuais e coletivas.

(4) Saramago, José (1995). Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa: Caminho, p. 310.

(5) Derrida, Jacques (1997). De um Tom Apocalíptico adotado há pouco em Filosofia. Lisboa: Passagens, p. 8.

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A exposição da Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, está patente no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira, de 16 de abril a 16 de maio de 2021.

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Sandra Vieira Jürgens, curadora da Bienal, escreve:

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A Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira está de volta com o objetivo de divulgar e incentivar a produção artística nacional no domínio da fotografia. Celebrados trinta e dois anos da Bienal, esta edição privilegia o futuro e a mudança, apresentando-se como um observatório da criação atual, dando a conhecer novos autores e marcando encontro com fotógrafos e artistas que homenageiam a história e reinventam a linguagem fotográfica, considerando novas possibilidades e explorando novos caminhos e o potencial tecnológico e visual do meio fotográfico.

Através da exposição do Prémio, que decorre no espaço do Celeiro da Patriarcal, e de um programa curatorial de exposições que têm lugar no Museu Municipal e na Fábrica das Palavras, estabelece-se um espaço de representação alargado da criação fotográfica portuguesa, o qual pretende obter visibilidade local e nacional, aproximando a comunidade e os públicos diversificados ao mundo da fotografia contemporânea.

A seleção e atribuição dos Prémios temáticos – Bienal de Fotografia, Concelho de VFX e Tauromaquia – privilegiou a qualidade e a transparência, num processo que contou com um Júri de Nomeação, formado por um Conselho de Curadores, e um Júri de Premiação.

O Conselho de Curadores reuniu individualidades e agentes culturais de reconhecido mérito nesta área e teve o papel de avaliar as candidaturas e designar os artistas convidados a apresentar trabalhos originais, em exposição coletiva, no espaço do Celeiro da Patriarcal. Os artistas nomeados foram: Ana Janeiro, Beatriz Banha, Daniela Ângelo, Elisa Azevedo, Frederico Brízida, Hugo de Almeida Pinho, Humberto Brito, Stefano Martini e Teresa Huertas. A partir da exposição dos projetos dos artistas nomeados, o Júri de Premiação delibera o vencedor do concurso.

O Júri de Nomeação foi constituído por Bruno Humberto, Catarina Botelho, Filipa Valladares e Paulo Mendes. O Júri de Premiação foi constituído por António Pinto Ribeiro, Emília Tavares, Liliana Coutinho, Raquel Henriques da Silva e Tobi Maier.

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Pode ver as restantes exposições no FF, aqui e aqui.

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Mais informação aqui.

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