MIGUEL FURTADO MARTINS, FOTOGRAFIA EM TEMPO DE EMERGÊNCIA, 2020
Há um ano (16.03.2020) era decretado o primeiro estado de emergência devido à pandemia de COVID-19 em Portugal. Hoje começou o desconfinamento parcial do segundo período de estado de emergência.
.
.
.
Miguel Furtado Martins
Fotografia em tempo de emergência
Fotografia: Miguel Furtado Martins / Texto: Carlos Alberto Poiares, Maria Rosa G. Gonçalves Pereira, Miguel Furtado Martins / Ilustração: Alfredo Marceneiro / Poemas: Fabio Brazza, Gabriel o Pensador, José Cid
Barcarena: Foco / Outubro . 2020
Português / 17,5 x 24,8 cm / 96 pp.
Cartonado / 150 ex.
ISBN: 9789895484119
.
.

.
.
Miguel Furtado Martins leva-nos ao interior de um Lar, mostra a vivência em tempo de confinamento.
“Adaptação Resistência Superação”.
O livro abre e encerra com texto. Letras brancas sobre fundo negro. As fotografias, a preto e branco, em folhas brancas. A esperança, a luz, a confiança.
Como separadores, um desenho de Alfredo Marceneiro segmentado em três partes, acompanhado cada um de um poema, abre os dois capítulos e encerra a obra, antes da nota biográfica do autor, que se retrata na imagem final, na fotografia de uma fotografia.
No primeiro capítulo, a casa e a vivência interna, dos funcionários, das adaptações à pandemia, no segundo a vivência de e com os utentes, os idosos.
.

Marcador (verso). Desenho de Alfredo Marceneiro.
.
O Doutor Carlos Alberto Poiares, Professor de Psicologia Forense e vice-reitor da Universidade Lusófona escreve o prefácio, onde regista a história da evolução da pandemia.
Maria Rosa G. Gonçalves-Ferreira, da Direção Institucional da ASAS – Associação para Serviços de Apoio Social, escreve como a pandemia fez alterar a vivência do Lar:
.
Era março, o mês que anuncia a primavera. Os dias corriam serenos numa casa que é Lar, entendida esta designação como um sentimento e não como um simples lugar. E, de repente.
A estupefação apoderou-se de nós. O que nos estava a acontecer? O que era… isto? Quanto tempo iria durar? O que tínhamos de fazer? Como proteger, deste inimigo que ataca sem aviso, e com maior perigo os mais frágeis, aqueles que é nosso dever cuidar e manter confiantes nessa proteção, em quaisquer circunstâncias? Como preservar também os cuidadores, todos nós, afinal? Como… agir?
Interrogações e medos, caldeados com um escondido sentimento de revolta pela crueldade aleatória deste desconhecido sem rosto, de que apenas sabíamos chamar-se, técnica ou cientificamente, SARS-CoV-2, dominaram os nossos comportamentos nos primeiros momentos. Depois, as informações e alertas de governantes, autoridades sanitárias, médicos e cientistas de todos os ramos — eles próprios a tatear o desconhecido vieram trazer alguma luz sobre o que e como fazer. Informações Inseguras, e não poucas vezes contraditórias, mas que foram a estaca onde iríamos sustentar a nossa atuação.
Porque, afinal, não era, nem é ainda… tempo de escolhas, mas de decisões.
***
E dedicámo-nos a apreender que o mundo, aparentemente seguro onde nos movimentávamos, estava suspenso e não sabíamos se, quando e como, voltaria a ser restabelecido. Aprendemos também que essa ameaça, que há muito se sabia latente provinha de um vírus também há muito identificado, designado por Corona, que tinha sofrido mutações e que, da última, tinha resultado uma doença designada pela sigla COVID-19, porque surgida em 2019, agora pandemia à escala global… que ninguém estava preparado para enfrentar.
Adquirida também a certeza de que lidávamos com um perigo ainda mais ameaçador para os que carregam mais anos de idade, foi a estes ‘decretado’ o isolamento como defesa da vida, a suportar durante um longo tempo, que já vai demasiado longo. Com a interdição das visitas de familiares e amigos, e privados das anteriores atividades ocupacionais e recreativas, as suscetibilidades, as preocupações consigo próprios e com os seus, a incerteza e a solidão, potenciam situações de zanga, ansiedade e sofrimento. Os técnicos, e os restantes trabalhadores da casa, esforçavam-se e esforçam-se por manter o bem-estar físico e psicológico, explicando ternamente as novas rotinas, os porquês das mudanças feitas, suavizando os sentimentos mais negativos através da proximidade possível, do diálogo constante e da disponibilidade para escutar.
Os contactos com os familiares, e outras pessoas significativas, passaram a ser por videochamada e, não raras vezes, através das janelas, assim garantindo que os laços não se quebram. Mas as expressões não enganam, as faces e o olhar triste, onde os sorrisos escasseiam, revelam a falta que lhes faz a presença física dos entes queridos.
As pausas, para cumprimento das recomendações de higiene, são constantes, o distanciamento rigoroso é assegurado, e a toda a hora se explica tudo, com redobrada atenção aos mais ansiosos. Os trabalhadores, de todas as valências, desdobram-se em cuidados, faz-se por compensar, em atenção e carinho, o que a ciência ainda não pode dar.
Sem cabeleireiro, nem barbeiro, são as chefias que assumem a responsabilidade dos cuidados estéticos, não negligenciando a importância do aspeto, porque, afinal, a autoestima é ponto indispensável para o equilíbrio, seja qual for a idade. Mas nada permanece próximo do que era, pois muitas das boas práticas, tradicionalmente recomendadas para um envelhecimento ativo, tornaram-se também, nas atuais circunstâncias, sérios fatores de risco. Certo, certo é que todos tivemos de aprender e ensinar como viver com esta nova realidade, pelo menos até que a ciência vença o vírus, que veio contaminar os nossos dias e suspender as nossas vidas.
Tivemos de desarrumar a casa, de providenciar quartos para isolamento, na prevenção do que de pior poderia acontecer, tivemos, enfim, de voltar a estruturá-la para o cumprimento das novas regras, dos novos gestos que passaram a rotina obrigatória, desde o controlo generalizado da temperatura duas vezes por dia, ao uso sem tréguas da máscara, das batas de proteção e das coberturas do calçado previamente higienizado, ao constante arejamento de quartos e salas, estas também com lotação condicionada pela necessidade de assegurar a distância entre as pessoas, assim também se limitando o prazer do diálogo de proximidade.
Dispensámos os apoios externos, como o voluntariado, a fisioterapia e o cabeleireiro — que não é de menos, se pensarmos que é feminina a maior parte da residência. Interrompemos também, sem sabermos até quando, as sessões culturais, de debate, e musicais, que tornam especial o dia a dia da casa, em que cada um é tratado com consideração e respeito, sem tiques de infantilização que diminuem. E inventámos novos entretenimentos, com recurso ao cinema, à música, aos jogos de palavras.
A redução de pessoas por mesa também obrigou a separar, na hora das refeições, os que eram parte de um todo afetivo. E ainda… o doloroso NÃO aos normais gestos de ternura, antes banais, como o beijo e o abraço e — a mais dolorosa de todas as exigências! — a de fazer compreender e aceitar a interdição de visitas de familiares e amigos, prometendo compensá-las pelo digital, redutor é claro, mas melhor que nada.
Tivemos, afinal, de saber passar a todos o sentido de proteção, protegendo-nos também… para melhor proteger.
Providenciámos e cumprimos tudo o que atrás se descreve, respaldados pelo que é diariamente recomendado pelas autoridades sanitárias, adequando-o às pessoas concretas que residem na ASAS, sigla por que é desde sempre conhecida a Associação para Serviços de Apoio Social, onde trabalham, voluntariamente, quem escreve esta introdução e, profissionalmente, o Miguel Furtado Martins, psicólogo de formação, ali com funções que vão da terapia ocupacional ao incentivo à mobilidade, do desenvolvimento cognitivo à animação e entretenimento, a que acresce o apoio domiciliário, por que também se responsabiliza, levando-o a quem prefere manter-se residente na sua casa, mas precisa de ajuda prática, acompanhada de atenção e delicadeza.
Pedimos todas as ajudas e recebemos as possíveis, de que relevamos as da Câmara da nossa cidade, que nos forneceu material de proteção sanitária, proporcionando também as desinfeções de rua e do jardim interior, assim assegurando uma maior higienização àquele espaço, o preferido por muitos, que ali conversam, ali tomam sol, ali põem em dia as suas leituras, ali se sentem mais livres, ainda mais nestes tempos em que a palavra confinamento tomou o poder.
A redistribuição e redução das equipas, como elemento de redução do risco ‘vindo de fora’ veio sobrecarregar o trabalho de cada um, que assim teve de se superar no apoio aos que têm de continuar a ser cuidados, sempre com um sorriso a capear o indispensável ‘está tudo bem, isto há-de passar’. E fizeram-se os testes de controlo da infeção, com os resultados que nos enchem de coragem para prosseguir o caminho traçado.
Muito teve de se improvisar, mas tudo se estruturou e se vai cumprindo com a qualidade que é regra e com a ternura que é alimento Indispensável. Porque tudo isto reflete a herança recebida dos que fundaram a casa, (…).
narrando depois a história da Instituição.
.
.
.
Miguel Furtado Martins, Fotografia em tempo de emergência, 2020
.
.
O livro “Fotografia em tempo de emergência”, de Miguel Furtado Martins, foi lançado na inauguração da exposição homónima que teve lugar no Museu do Oriente, em Lisboa, de 22 de outubro a 15 de novembro de 2020.
.

Folha de sala (rosto).
.
.
Miguel Furtado Martins nasceu em Lisboa, em setembro de 1990. Estudou e formou-se em Psicologia Forense e da Exclusão Social, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT). Realizou o seu estágio curricular no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária de Lisboa (EPPJ) e o estágio profissional na ASAS – Associação para Serviços de Apoio Social, onde atualmente exerce funções.
A fotografia surge-lhe como meio privilegiado de expressar e comunicar. É na rua que encontra a inspiração, procurando registar momentos simples e espontâneos da vida quotidiana. Utiliza, maioritariamente, uma composição minimalista e uma narrativa livre.
Com dois projetos em andamento, titulados “Efemeridade – Percursos do Quotidiano” e “Regresso às Origens – Aproximação da fotografia à pintura”,viu-se, perante a pandemia, obrigado a mudar o seu dia a dia, a suspender o que tinha em preparação e a virar a sua objetiva para uma nova realidade, que trouxe o medo ao mundo e o fez parar. Confinado entre a casa e o trabalho, as circunstâncias vividas despertaram inevitavelmente o seu interesse por registar, na forma que melhor entende e pratica, o que estava a viver e a ver viver.
E ali nasceu um novo projeto, “Fotografia em Tempo de Emergência”, com o qual quis fixar e relatar, através da lente da sua câmara, a vida vivida, em tempo de emergência, no Lar residencial onde trabalha e onde vivem 63 pessoas, cuja média de idade ronda os 90 anos.
Vencedor do concurso Corona Call 2020, projeto de Sana Sanaa – Diálogos Interculturais sobre Arte, que conecta Nairóbi e Berlim, com o projeto “Fotografia em Tempo de Emergência”. Distinguido através de diversas publicações e referências, conta também com participações em exposições individuais e coletivas.
Prémios e distinções: 2020 – Projecto “Fotografia em Tempo de Emergência” distinguido por Sana Sanaa (Intercultural Dialogues on Art) com exposições para Berlim, Nairobi, Lagos, Kigali e Cidade do Cabo. Três fotografias do projecto “Fotografia em Tempo de Emergência” distinguidas pela Leica Fotografie International (LFI.GALLERY) para constar na galeria online na categoria “Portrait” e “Europe”. 2019 – Fotografia do projecto “Efemeridade – Percursos do Quotidiano” distinguida pela Leica Fotografie International (LFI.GALLERY) para constar na galeria online na categoria “Coast Line”; Finalista”Lugares Património do Centro” promovido pelo Público e Turismo Centro Portugal. 2018 – Menção honrosa pelo júri da 5º Edição do Mês da Fotografia no Barreiro. Premiado pela “ Lisbon Photography Tours” com o primeiro lugar sob o tema “Lisboa e o Tejo”. 2017 – Vencedor pela região do Alentejo do “Portugal sem Tripé” (concurso nacional promovido pela Huawei Mobile).
Exposições individuais: 2020 – Lisboa, Museu do Oriente “Fotografia em tempo de emergência”. 2019 – Lisboa, Fábrica Braço de Prata – “Efemeridade – Percursos do quotidiano”.
.
.
Pode conhecer mais sobre a obra de Miguel Furtado Martins, aqui.
.
Cortesia do Autor.
.
.
.














Pingback: AGENDA . EXPOSIÇÕES . OUTUBRO A DEZEMBRO . 2023 | FASCÍNIO DA FOTOGRAFIA