VARELA PÈCURTO
No 95.º aniversário do nascimento de Varela Pècurto (Ervedal, Avis, 27 de abril de 1925).
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António Bracons, Varela Pècurto, Coimbra, 2014
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Conheci Varela Pècurto (com o acento para trás, como costumava alertar) em 1984 ou inícios de 1985, no meu primeiro ano em Coimbra. A casa de fotografia Hilda, na Portagem, junto à pastelaria Briosa e à Livraria Bertrand, distinguia-se das outras casas de fotografia – sem desprimor para tantas casas e tantos bons fotógrafos de Coimbra.
A Hilda ficava num ponto central, tinha um ar claro e arejado, a montra leve e frequentemente com fotografias históricas da cidade. O atendimento era simpático, imprimia a cor e a preto e branco… Lá estava o Sr. Varela, o seu filho e outros funcionários.
Passava lá com alguma frequência. Depois de terminar o curso, quando ia a Coimbra e a casa estava aberta, ia-o cumprimentar.
Há alguns anos, depois de desenvolver alguma pesquisa sobre o Grupo Câmara, percebi o fundamental papel que teve na atividade do Grupo. Tive há poucos anos a oportunidade de ter com ele uma conversa extensa sobre a sua vida e a sua obra.
Já aqui mostrei algumas obras suas, mas hoje, quando completa 95 anos, é tempo de falar da sua história, de mostrar a sua obra, de lhe prestar esta pequena homenagem.
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Varela Pecurto, Hábeis e modestas, c. 1949 (prémio do IV Salão do GC, 1941) – Épico, 1952 – Belezas da noite, 1951 – Poesia no bosque, Buçaco, 1954 – Baixo relevo, década de 50 – Inverno, arredores de Coimbra, 1958 – Chegada a Coimbra, s.d. – Vidas de Ferro, década 50 – O belo Choupal, Coimbra, s.d. – Poda que resultou, Coimbra, s.d. – Fotografia aérea da Cidade Universitária, Coimbra, s.d. – Fotografia aérea das Instalações Académicas, Coimbra, s.d. – Atalho, 1956 – Domingo, Figueira da Foz, 1954 – Viúva da Nazaré, 1958 – Últimas recomendações, Algeciras, 1958 – Madeira, 1954 – Viajante madrugador, Campanhã, Porto, 1957
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Eduardo Francisco Varela Pècurto nasceu a 27 de Abril de 1925 em Ervedal, concelho de Avis, no Alto Alentejo.
Ainda em criança, a família mudou-se para Évora. Aí frequentou o Liceu Nacional André de Gouveia, onde concluiu o antigo 6.º ano, depois, o Instituto Comercial de Lisboa. Voltou a Évora para trabalhar numa casa especializada em fotografia, a Fotografia Nazareth, do fotógrafo David de Freitas, onde fez uma primeira aprendizagem de dois anos, em seguida trabalhou com Eduardo Nogueira.
Em 1949, Varela Pècurto concorreu ao Salão de Fotografia promovido pelo Grupo Câmara – Grupo de Amadores de Fotografia de Coimbra, com 4 fotografias. Terá sido esta participação que levou a que fosse convidado pela Livraria Atlântida Editora, em Coimbra, para dirigir a Secção Fotográfica recém-criada naquele espaço, o que o leva a mudar-se para Coimbra no final de 1949: casa com Gáucia Farracho em Évora, na véspera de Natal de 1948, logo no início do ano de 1950 começa a trabalhar em Coimbra. Tinha 24 anos.
Cerca de três anos depois, com mais três sócios, cria a sociedade “Ilda e Companhia Lda”, que abre no Largo da Portagem a casa de fotografia “Hilda”. Alguns anos depois, com a saída dos restantes sócios, será o único ; foi sócio-gerente durante cerca de 50 anos.
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António Bracons, Uma das máquinas fotográficas de Varela Pècurto: Hasselblad 1000F, 1953, 2014
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Além da casa comercial, Pècurto faz parte do Grupo Câmara, que havia sido formado em 1948, sendo o sócio n.º 147. Com a sua dedicação, rapidamente se torna um dos seus principais impulsionadores, vindo a integrar a Direção, como Secretário, na primeira metade de 1953, continuando nas direções seguintes com o mesmo cargo. É também no Boletim do Grupo Câmara, no nº 20 a 24, Jan.-Abr. 1953, que começa a figurar como “Redactor”, que manterá até ao último número (77-86, Mai. 1958 – Fev. 1959). Para além destes cargos, da atividade do Grupo, da escrita de artigos de reflexão sobre fotografia, de dinamizar conversas e debates em torno da fotografia, faz ao longo do tempo diversas ofertas ao Grupo, nomeadamente publicações e materiais.
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António Bracons, Grupo Câmara, carimbos, 2014
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No entanto, acredito que Varela Pècurto teve um papel muito importante no Grupo, ainda antes de vir a assumir estes cargos. Na verdade, em Fevereiro de 1951 surge o novo Boletim Mensal (até aí era uma folha policopiada), que será sempre “Composto e impresso na Tip.[ografia da Papelaria] «Atlântida» – Rua Fernandes Tomás, 44 – 48 – Coimbra”. A “Atlântida – Livraria Editora, Lim.” tornar-se-ia o proprietário do Boletim a partir do número 2, pois, como se refere em “O Apoio Moral e Material” (B.G.C., nº 2, Mar. 1951, p. 10): “A necessidade de oficialização do Boletim tomou quase todo um mês de trabalho. Havia que encontrar uma solução compatível com as finanças do Grupo e o desejo de todos de continuar com a publicação regular do Boletim. Só a sociedade firmada com uma casa editora tornou possível a continuidade da sua existência e, conscientes do passo dado, procurámos essa sociedade; sem ela já este 2º número não teria aparecido.” Ora, não será alheia a esta concretização e, com certeza, às facilidades por aquela casa concedidas, a pessoa de Varela Pècurto, que então dirigia a Secção de Fotografia.
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António Bracons, Grupo Câmara, pin, 2014
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O Grupo Câmara surgiu como muitos outros grupos fotográficos em todo o mundo – reunindo amadores e profissionais – pois para além da fotografia comercial e de casos muito escassos de ‘fotografia de autor’, havia um número significativo de fotógrafos amadores. Estes, se tinham uma vontade enorme de fazer fotografia, com seriedade e preocupação de qualidade, quer técnica, quer estética, estavam todavia limitados às condicionantes conjunturais que se viviam, nomeadamente em Portugal. Nos anos de 1940, 1950 e mesmo 1960, os Salões eram praticamente a única forma reconhecida de mostrar e de ver fotografia: concursos para os quais cada autor remete uma ou várias fotografias, a organização recebe (em muitos casos alguns milhares), sendo selecionadas algumas centenas para admissão e exposição por uma comissão e, destas, atribuídos prémios. Participavam habitualmente fotógrafos de todo o mundo. As associações de fotógrafos facilitavam não só a divulgação dos Salões, mas também a remessa das fotografias.
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António Bracons, Alguns Diplomas e prémios recebidos por Varela Pècurto, 2014
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Pècurto participou em inúmeros salões nacionais e internacionais de arte fotográfica, nos quais foi galardoado com mais de cinquenta prémios: ouro, prata, bronze e mais de cem menções honrosas. Em 1954, foi distinguido no congresso de Barcelona da FIAP com o mais importante prémio internacional no âmbito da fotografia amadora: o Excellence da Féderation Internacional d’Art Photographique (FIAP).
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António Bracons, Placa de prata, prémio da IV Exposição Anual de Arte Fotográfica, do Grupo Câmara, 1951 (com a fotografia “Hábeis e modestas”), 2014
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Varela Pècurto com a sua paixão facilmente se destacou no pensamento da fotografia em Portugal, como o testemunham diversos artigos que viria a publicar no B.G.C. . Na importante revista Plano Focal, cujo primeiro número de quatro sai em Fevereiro de 1953, sendo diretor Jaime Bessa e chefe de redação José Ernesto de Sousa, contando com a colaboração de Mário Novais e Fernando Lemos entre outros, a sua figura é assinalada no nº 2, de Março, que em “Colaboradores”, o apresenta: “é um amador fotográfico com larga actividade. (…) Como amador expôs pela primeira vez no Salão Internacional de Lisboa e seguidamente em várias exposições na Áustria, Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Jugoslávia, Brasil, Chile, India, Cuba, Argentina, África do Sul e Dinamarca e em vários salões nacionais. Em 1951 ganhou a taça “o mais fértil expositor do ano”, competição organizada pelo “Grupo Câmara”. Faz parte da direcção deste clube de amadores e da Delegação de “Plano Focal” em Coimbra. (…).”
Varela Pècurto seria também correspondente ou representante de diversas associações, como a Sociedade Fluminense de Fotografia.
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António Bracons, Cartão de representante da Sociedade Fluminense de Fotografia, 2014
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Ao longo de 25 anos, além de fotógrafo profissional, foi operador de câmara e correspondente da RTP – Rádio Televisão Portuguesa, na região centro.
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António Bracons, Uma das máquinas de filmar de Varela Pècurto: Beaulieu, modelo R16, 1950, 2014
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Foi também colaborador fotográfico de vários jornais nacionais, registando eventos e notícias da região centro. Colaborou também com fotografias em inúmeros livros e revistas, além de capas de discos.
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António Bracons, Algumas capas de discos com fotografias de Varela Pècurto, 2014
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No tempo da Crise Académica de 1969 (pode ver no FF aqui e aqui), a Casa Hilda “também passou a ser mais visitada por agentes da polícia política, atentos sobretudo às fotografias sobre a Coimbra ocupada pelas “forças da ordem” e os estudantes na rua”, que expunha na montra.
“O senhor diretor pede para tirar esta ou aquela fotografia da montra”, recorda Varela, … , a propósito das incursões que “os ‘pides’ faziam à [sua] loja”, exemplificando com um registo fotográfico que dava conta dos guardas a cavalo, que não conseguiam subir a calçada do Arco de Almedina porque o piso tinha ficado escorregadio com o sabão diluído na água derramada, pelos estudantes, no principal acesso pedonal da Baixa à Alta universitária.
“Eu era comerciante e não convinha ‘tomar partido’, mas mesmo assim eles viam nas fotografias coisas que não podiam ser mostradas”, explica Varela Pècurto, que também era um dos principais repórteres fotográficos da cidade e “fazia fotografias para quase todos os jornais” de âmbito nacional da época e cuja publicação obedecia a critérios igualmente “muito rigorosos”, recorda ao DN em 2019.
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Varela Pècurto, “Penacova”, Coimbra: Hilda, 1984
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Entre vários outros livros, Varela Pècurto publica em 1984 “Penacova”, no qual reúne um conjunto significativo de fotografias deste concelho próximo de Coimbra e, em 1991, “Coimbra Vista por Miguel Torga”, ed. INATEL: o consultório do médico era poucos passos à frente da Hilda.
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Varela Pècurto, “Coimbra Vista por Miguel Torga”, Coimbra: Inatel, 1991 (capa e retrato de Miguel Torga)
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Publicou também outros livros, sobre Cantanhede, Ervedal e Lousã e coleções de postais, nomeadamente de Coimbra, Évora, Fátima, Figueira da Foz, Porto e o Convento do Louriçal.
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António Bracons, Postais com fotografias de Varela Pècurto, 2014
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Pècurto realizou múltiplas exposições individuais, destaca as da Madeira e dos Açores, esta com mais de 500 fotografias representativas das nove ilhas. O catálogo da Madeira teve texto em português, francês, inglês, alemão e sueco.
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Cerca do ano 2000, com mais de 70 anos, Varela Pècurto reforma-se da sua vida profissional. A casa Hilda fecha portas. Fotografa menos. Uma vida feita em película, não dá o salto para o digital, é uma forma diferente de trabalhar, de pensar. Começa então a olhar para o seu vasto espólio, para os milhares de fotografias, de negativos, documentação. Decide então partilhá-lo.
Na década de 1950 fotografou para a CP – Caminhos de Ferro Portugueses. A sua coleção – “Vidas de Ferro – Coleção Fotográfica Varela Pècurto” – integra o espólio do Museu Nacional Ferroviário, sedeado no Entroncamento, sendo composta essencialmente por “fotografias datadas da década de 50 do século XX, atribuídas a Varela Pécurto, Gláucia Farracha, António Ventura, Ilda Bessa, David de Almeida Carvalho e Vitorino de Andrade.” Uma parte esteve exposta na 1.ª fase de vida do Museu.
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Varela Pècurto, De Madrid a Lisboa, passando por terras do Luso, 1951-53.
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Selo dos correios portugueses com base numa fotografia de Varela Pècurto.
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Uma fotografia sua: “De Madrid a Lisboa, passando por terras do Luso, 1951-53”, da Coleção da Fundação Museu Nacional Ferroviário, captada próximo da Estação Luso – Buçaco, serviu de base ao selo de 0.45 € da emissão de 2006 comemorativa dos “150 anos da inauguração do primeiro troço do caminho-de-ferro em Portugal, Lisboa – Carregado”, representando o Sud-Express, cuja circulação se iniciou em 1887.
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Catálogo da exposição “Batalha de Sombras”, 2009 (capa)
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O trabalho de grande qualidade dos fotógrafos amadores, nomeadamente dos participantes em salões, é reconhecido na exposição realizada no Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, em 2009, “Batalha de Sombras”, em que Pècurto está representado com 12 imagens e onde participará numa conferência.
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Exposição “Batalha de Sombras”, convite para o I Encontro
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O seu trabalho foi homenageado pela Câmara Municipal de Coimbra que, em sessão solene, a 1 de fevereiro de 2005, atribui-lhe a Medalha de Mérito Cultural da cidade e o Clube da Comunicação Social de Coimbra concede-lhe o Diploma de Honra; “reconhecendo toda a dedicação e amizade sempre demonstrada”, nomeia-o, em 12 de julho de 2018, Presidente Honorário.
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Diploma de Presidente Honorário, atribuída pelo Clube da Comunicação Social de Coimbra.
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As suas fotografias integram as coleções do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado e da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Pècurto doou o seu espólio a várias câmaras municipais (pelo menos 21), a cada uma, as fotografias que no seu território realizou: Coimbra, Évora, Penacova, Figueira da Foz, Mealhada, são apenas algumas, para além de várias instituições. Uma grande parte reconheceu o espólio recebido, nomeadamente pela realização de exposições.
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Boletim Municipal da CM Mealhada, n.º 44, de Janeiro a Março de 2012, com destaque para a doação de Pècurto. Reproduz a fotografia “Memória” (pode ver aqui) e cartaz da exposição.
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Merecem destaque as doações a Évora, cidade onde iniciou a sua atividade e a Coimbra, onde viveu grande parte da sua vida e desenvolveu a sua atividade. Tanto uma como outra gostariam de acolher a integridade do seu espólio, permitindo um estudo mais completo e abrangente. Mas Pècurto não decidiu assim.
Ao Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora doou em Setembro de 2006, “686 espécies fotográficas (316 negativos em película, 269 provas fotográficas e 101 diapositivos) e reporta-se ao período em que o fotógrafo residiu em Évora (1950/1960). As imagens referem-se à cidade de Évora e localidades do distrito, focando temas como a etnografia, aspectos urbanos, reportagens e actividades económico-sociais (Feira de São João, por exemplo).”
À Câmara Municipal de Coimbra doou o seu “material fotográfico, constituído por 8870 imagens (negativos, diapositivos, provas e postais), 836 documentos (capas de discos, diplomas, prémios, medalhas, catálogos, revistas, jornais, álbuns de vinhetas e objetos pessoais) e 54 máquinas e acessórios fotográficos.”
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Exposição “Coimbra vista por Varela Pècurto”, folha de sala (frente e verso)
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A Câmara Municipal de Coimbra realizou uma importante exposição de homenagem, “Coimbra vista por Varela Pècurto”, na Sala da Cidade (Convento de Santa Cruz), entre 4 de julho (dia da Rainha Santa e da Cidade) e 13 de setembro de 2014, onde mostrou além de fotografias, parte do seu equipamento, prémios, documentos, etc. É desta exposição que apresento algumas peças de Varela Pècurto, por ele doadas à Cidade. Pontualmente a Câmara Municipal tem realizado pequenas mostras da sua obra.
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António Bracons, Aspetos da exposição “Coimbra vista por Varela Pècurto”, 2014
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Varela Pècurto, com a sua simpatia e humildade é uma figura de referência da fotografia portuguesa e da cidade de Coimbra. O seu espólio, embora repartido, é notável. Requer um estudo aprofundado e uma divulgação maior. A edição de um ou vários álbuns permitiria dar a conhecer de modo mais amplo a sua vasta obra, testemunho de um tempo: na realidade, cinquenta anos de vida portuguesa!
Uma vida cheia!
Parabéns, Varela Pècurto!
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Pode ver o livro “Coimbra Vista por Miguel Torga”, ed. INATEL, 1991, no Fascínio da Fotografia, aqui e pode folhear o catálogo da exposição “Batalha de Sombras”, aqui.
Pode ouvir Pècurto falar da sua vida e obra numa entrevista à ESEC TV, aqui e em Protagonistas”, um programa de Sansão Coelho, do Coimbra Canal, aqui.
Sobre a coleção “Vidas de Ferro – Coleção Fotográfica Varela Pècurto”, que integra o espólio do Museu Nacional Ferroviário, aqui.
Sobre Varela Pècurto e a casa Hilda na Crise Académica, recordada nos 50 anos da Crise, no Diário de Notícias de 16.04.2019, aqui.
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Atualizado em 27.04.2020 com a peça filatélica, o diploma e o cartaz da exposição na Mealhada.
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