VALTER VINAGRE, ROUGE, BLEU, MAUVE ET VERT, 2016
.
.
.
Valter Vinagre
Rouge, bleu, mauve et vert
Fotografia: Valter Vinagre / Texto: Paulo Longo / Design gráfico: Mariana Veloso
Edição de Autor, Apoio: XYZ Books / 2016
Português, inglês, turco / 14,6 x 18,7 cm / 64 págs.
Brochura (miolo cosido) com sobrecapa / 350 ex.
ISBN: 9789899906327
.
.

.
.
Rouge, bleu, mauve et vert – vermelho, azul, amarelo e verde – são as cores em que são tecidos os tapetes tunísinos e é um ensaio fotográfico de Valter Vinagre, a preto e branco. O trabalho foi realizado em Kairouan, na Tunísia, a primeira vez que Valter Vinagre esteve naquele país, em Maio de 2015, durante uma residência organizada pela Delegação da União Europeia e integrada na “segunda residência de fotógrafos Euro-Magrebinos”.
.
Paulo Longo escreve o ensaio que integra a obra:
.
Ver além das cores
.
Rouge, bleu, mauve et vert. Quatro cores são um mote algo paradoxal para um registo de onde estão ausentes. É preciso pintar, imaginar a cor, onde o preto e o branco imperam, numa relação cúmplice de luz e sombra. Pergunto-me se esta provocação deliberada não esconde, de certa forma, a vontade expressa e determinante do fotógrafo em obrigar-nos a usar a nossa imaginação, frequentemente embotada pelo excesso da informação gratuita, indiscriminada e tantas vezes desconexa do nosso quotidiano actual. Uma provocação calculada e inteligente, que nos leva além dos discursos fabricados pelos media em torno de uma realidade que de certo desumaniza o lugar e aqueles que nele vivem.
Valter Vinagre propõe-nos uma viagem por uma cidade que todos cremos extraordinária só de ouvir o seu nome: Kairouan. O arquétipo do extremo oriente paira no ar à sua simples menção. Um oriente todavia próximo, muito próximo, cujo conhecimento é definido pelo turismo, imagem de marca do país, e pelo património construído, imagem de marca da cidade. No entanto, país e cidade partilham outro traço, esse sim mais dramático, bem avivado em anos recentes: a instabilidade e a crise económica, que a conquista da liberdade, em 2011, ainda não conseguiu dirimir.
Rouge, bleu, mauve et vert ou a declinação poética de destruição, resistência, fragilidade e esperança, são as premissas do fotógrafo na sua viagem por uma cidade que assume, como poucas, a condição de síntese de uma cultura secular. Para a grande maioria, Kairouan, uma das cidades santas do Islão que remonta ao séc. VII, e um Património da Humanidade onde permanecem visíveis ecos do esplendor do Califado Abássida de Bagdad. Impressionante, é certo, mas esta é a beleza da fachada, que se impõe ao primeiro olhar. Como num teatro há uma infinidade de engrenagens e operações invisíveis por trás de uma cenografia brilhante.
Kairouan é uma cidade viva, que suporta os ritmos de vida de uma comunidade particular e espelha uma teia de relações muito mais vasta que é, no fim de contas, o país. É essa a proposta que Valter Vinagre nos traz: uma incursão por quotidianos escrutinados por um observador extraordinário.
Aos nossos olhos, as imagens exigem ser coloridas de sentidos, deixando no ar, na maioria das vezes, perguntas incómodas sobre aquilo que representam. Habitados ou não, o que são efectivamente os espaços que percorremos? E porque nos são tão familiares? É extraordinário descobrir, pela mão do fotógrafo um discurso que, de uma forma comporta uma linguagem inteligível para alguém que, como nós, está à distância de uma cultura. Vejamos. O desgaste, o abandono e o improviso marcam presença, visíveis sob o peso do tempo e da acção dos homens. Observamos fragmentos de um quotidiano pessoal, momentos suspensos no tempo; divididos entre presença e ausência. O espectro familiar da morte, apresenta-se em duas naturezas distintas: a que marca e fere o nosso âmago aquela da qual dependemos para sobreviver. A beleza acentuada pela adversidade, surge irreprimível num rosto, num gesto ou num objecto a que alguém reconheceu essa virtude.
E que dizer do código do amor, universal, capaz de quebrar as barreiras de uma língua e de um alfabeto?
Ao longo do percurso de Valter Vinagre por Kairouan conhecemos pessoas, espaços e ambientes improváveis e estabelecemos um diálogo capaz de penetrar numa intimidade plausível, que congrega a substância do real. Somos capazes de a saborear ao detalhe, de lhe sentir o cheiro e imaginar as cores, essas mesmas cores que o fotógrafo elege como referências do lugar, mesmo nunca tendo ali estado.
Através dos seus olhos, Valter Vinagre evoca, irreprimivelmente, a força e beleza das palavras de Guy de Maupassant na sua passagem pelo lugar:
.
(…) quand nous revenons au grand air, une ivresse de joie nous étourdit, car le soleil levé illumine les rues et nous montre, blanche comme toutes les villes arabes, mais plus sauvage, plus durement caractérisée, (…) saisissante de pauvreté visible, de noblesse misérable et hautaine, Kairouan, la sainte.
Guy de Maupassant, La Vie Errante, 1890.
Paulo Longo
Idanha-a-Nova, Abril 2015″
.
.
.
Valter Vinagre, Rouge, bleu, mauve et vert, 2016
.
.
Este livro regista a série apresentada na Maison d’Image, em Tunis, na Tunisia, de 26 de maio a 9 de junho de 2016, sob o patrocínio da Embaixada de Portugal.
.

.
.
Pode conhecer o trabalho de Valter Vinagre no Fascínio da Fotografia, aqui e no site do artista, aqui.
.
.
.