GILBERT GARCIN: FOTOGRAFAR O HOMEM NA SUA ESSÊNCIA
No 90.º aniversário do nascimento de Gilbert Garcin (La Ciotat, França, 21 de junho de 1929).
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Gilbert Garcin
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Gilbert Garcin nasceu em La Ciotat, em 21 de junho de 1929. Reside em Aix-en-Provence, sul de França.
Conheci Gilbert Garcin em finais de 1994, quando estive em Aix-en-Provence, a convite da La Fontaine Obscure, uma associação de fotógrafos daquela cidade do sul de França, no âmbito de uma exposição: “Regard sur le Portugal”, na qual participavam também outros fotógrafos portugueses.
Gilbert Garcin, então com 65 anos, havia-se reformado há pouco. Começara a fotografar em 1992, expusera pela primeira vez em 1993 na galeria de “La Fontaine Obscure”. Queria ter a nossa opinião sobre o seu trabalho.
A sua fotografia era diferente de tudo o que até então havia visto. Gilbert estava nas fotografias de Garcin, fazia parte delas: fotografava-se, recortava-se e inseria-se no cenário que criava, que então fotografava: era a sua fotografia.
Na ocasião ele, que gostava muito de pintura, inseria-se em quadros que lhe diziam algo, com os quais se identificava, tinha já algumas fotografias feitas: era Garcin que entrava num outro mundo, fantástico, diferente.
Ficou a memória de uma pessoa simples, humilde, serena, entusiasmada. Feliz.
A primeira exposição de Gilbert Garcin fora do seu país foi em Portugal, nos Encontros da Imagem de Braga, em 1998, cujo tema foi “O retrato”. Garcin enviara um portfólio e Rui Prata ficara fascinado com o seu trabalho: uma fotografia de Garcin (“Le paon”) fez a capa do catálogo, o seu portefólio integrou a exposição principal: “Identidades”, e é o primeiro autor apresentado no catálogo.
Soube muito depois que ofereceu essas suas fotografias aos Encontros da Imagem.
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Encontros da Imagem de Braga, 1998. Catálogo.
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As fotografias que apresenta já não têm como base pintura, mas outros cenários que constrói, muito mais profundos. Garcin fotografa o próprio Homem, nas suas vivências e anseios, nos seus dramas existenciais, nas suas questões filosóficas mais profundas.
Mas Garcin fotografa o próprio Homem fotografando-se a si mesmo e, por vezes, à sua mulher, que também integra algumas fotografias. Fotografa-se, recorta a imagem e insere a imagem na fotografia.
Garcin é o autor, é o ator das suas imagens. É a imagem da sua imagem. É “o Homem que é uma imagem”.
Poderíamos dizer que as suas fotografias são autorrepresentações, mas creio que não são nem autorretratos nem autorrepresentações, estão para além disso. Garcin coloca-se no lugar do próprio Homem, que pensa, que se questiona perante o Universo, com as suas preocupações quotidianas ou de fundo, dos valores, dos sentidos. Garcin fotografa as questões essenciais do Homem e da (sua) Humanidade.
Por outro lado, do ponto de vista da fotografia, as fotografias de Garcin questionam o próprio meio. Não é Garcin que está na fotografia, mas a sua fotografia. É a sua imagem que se insere na imagem. Isto é, a fotografia não regista a pessoa, mas uma imagem dessa pessoa. É uma imagem de outra imagem.
Por outro lado, a imagem insere-se num cenário construído, não real. Embora aparente ser real. Um cenário necessariamente construído numa escala reduzida, com areia, pedras, fragmentos recortados de cartolina, o que for, céus ou imagens que são fotografias.
Também por aqui a fotografia é uma imagem de outra imagem (por vezes fotografia de uma fotografia), de uma construção, de uma elaboração, de uma preocupação.
A fotografia assim não é a imagem ‘do real’, mas é a imagem ‘de um real’, é a imagem da imagem. Adensa a ficção e assim, adensa a realidade.
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As imagens de Garcin são possuidoras de uma poesia única.
O sentido filosófico das suas imagens é único. Não conheço qualquer outro autor que fotografe como Garcin.
As suas imagens podem ser lidas sem os seus títulos, mas eles fazem parte da imagem, contextualizam-na, dão a chave de leitura (de uma leitura possível, a que Garcin nos quer mostrar). E numera sucessivamente as imagens, como um caminho, um percurso. Fotografa pelo menos até 2012, constrói 440 imagens! Cada imagem é um ensaio, uma reflexão, um “simulacro”, constrói “a vida como um teatro”, em que é o autor, o ator, o encenador, ou apenas “a testemunha”. “Tudo pode acontecer”, por isso, “faz [sempre] o seu melhor”.
Desde 1997 até à atualidade que as suas exposições se sucedem, em França e por toda a Europa. Individuais e coletivas.
Ao selecionar algumas fotografias para mostrar aqui, sinto dificuldade pela grandeza e beleza das suas imagens, pelo que mostram, questionam. Gostava de as mostrar todas. No entanto, no seu site, é possível visualizá-las.
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Para além das exposições que tem realizado e de integrar vários catálogos, tem editado diversos livros, magníficos. O seu primeiro é “L’homme qui est une image” (1999), com texto de Yves Gerbal, Editions Autres Temps / Fondation Regard de Provence:
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“La vie est un théâtre” (1999), Editions Filigranes, que será a sua editora.
Em 2002, publica “Simulacres”, com texto de Anne-Marie Garat:
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Em 2005, “Le témoin”, com texto de Armelle Canitrot,
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“Tout peut arriver”, em 2007:
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e em 2009, por ocasião do seu 80.º aniversário, “Mister G” (capa azul), que viu nova edição em 2011 (capa vermelha).
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Em 2013, as Editions Filigranes editam “Faire de son mieux”, com textos de Yves Gerbal e Marie Darrieussecq:
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e “Lorsque le vent viendra”, com texto de Vincent Josse:
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editados também em coffrett, “Coffret GG”, numa edição numerada de 300 exemplares:
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Em 2016, vê a sua obra integrada num volume da coleção Photo Poche, com texto de Magali Jauffret, ed. Actes Sud Editions.
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As suas obras integram diversas coleções, entre elas, os Encontros da Imagem (Braga), Fonds National pour l’Art Contemporain, Fonds Communal pour l’art Contemporain de Marseille, Maison Européenne de la Photographie, Artothèque de Veendam, Artothèque de Nantes, Artothèque de Vitré, Médiathèque de Miramas, Fondation Regards de Provence, Galerie du Château d’Eau – Toulouse e Al West Collection – USA
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Gilbert Garcin é representado em França pela Galerie Camera Obscura, de Paris.
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Pode conhecer melhor a obra de Gilbert Garcin aqui.
Pode ver um filme sobre Gilbert Garcin, à la Ciotat, numa entrevista com Patrick Le Bescont, das Éditions Filigranes, onde fala do seu trabalho, aqui:
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Gilbert Garcin faleceu em Marselha, em 18 de abril de 2020. Pode ver uma memória à sua obra, no Fascínio da Fotografia, aqui.
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Atualizado em 22.04.2020.
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Muito bom! Excelente fotógrafo que é sempre uma prazer revisitar, com um trabalho fantástico. Obrigado. Abraço
E verdade! Uma pessoa fantástica, com uma obra fantástica! Abraço
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Aprecio muito a obra do Gilbert Garcin.
É uma obra muito especial!