BOTTO & BRUNO, THE BALLAD OF FORGOTTEN PLACES. A BALADA DOS LUGARES ESQUECIDOS
Uma instalação para um livro. “The win blows rouns the empty bloks looking for a home”. Ou um livro para uma instalação.
Exposição em Lisboa, nas Carpintarias de São Lázaro, na R. de S. Lázaro, 72, de 9 de abril a 5 de maio de 2019.
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No espaço amplo das Carpintarias de S. Lázaro, encontra-se ao fundo o que parece ser as ruínas de uma casa. Aproximo-me e contorno. Não tem telhado e as paredes acabam irregulares, alguns tijolos já desapareceram. Não tem porta, está a passagem aberta – há de lado uma fechada…
De facto, não é uma casa, mas a imagem de uma casa. Não é a construção da casa, mas a imagem da casa, uma estrutura revestida a uma imagem. A imagem da casa em ruínas. A imagem, por si só, significará já a ruína? Porque é imagem (memória) e não a própria construção…
A imagem da casa, do exterior, é de uma casa, uma moradia, que foi já a casa de alguém, que já não é. Abandonada.
Entro.
No interior, a casa está revestida a ruína, imagens de instalações em ruínas envolvem o interior da construção. O chão é imagem de terras. Ao centro, um plinto, sobre ele, um livro. Capas pretas. De luto, de ausência, de ruína.
“The win blows rouns
the empty bloks
looking for a home”
Abro.
Folheio. Fotografias. Cerca de 300, registadas ao longo de 20 anos em vários países. Cada fotografia ocupa integralmente cada fólio. Instalações industriais, de serviços, infraestruturas viárias ou ferroviárias, habitações. Em ruínas, abandonadas, todas elas. As próprias fotografias (que sabemos serem recentes) apresentam-se manchadas, desvanecidas, como se também elas fossem uma ruína. Ruína da ruína. As últimas páginas estão em branco, à espera de serem preenchidas. Como se tanto do que existe hoje e faz parte da nossa vida venha a ser, num futuro mais ou menos distante, ruína.
Na época da industrialização, da produção massiva, cada instalação e cada espaço vive enquanto é útil. É criado para aquele fim, com aquele objetivo e vive enquanto o cumpre. Depois, pode ser adaptado a outro fim ou demolido, dando lugar a outra realidade. Ou simplesmente abandonado. Ficam os lugares esquecidos. São esses que vemos aqui.
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António Bracons, Aspetos da exposição, 2019
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“The Ballad of Forgotten places” tem uma verdadeira natureza migrante. A obra recebe os traços e os sinais do tempo e das culturas que criaram forma e conteúdo.
Para os autores,
O projeto parte de uma reflexão sobre a necessidade de certos lugares marginais serem protegidos e cuidados e sobre a necessidade de preservar sua memória. A ideia que queremos desenvolver é a de um trabalho que deve ser hospedado dentro de um espaço institucional. Considerando o que Marc Augè disse “nosso tempo não produz ruínas porque não tem tempo”, começámos a construir uma estrutura que lembra uma ruína contemporânea: as paredes externas da obra são, portanto, as ruínas de uma arquitetura modernista, que são também as ruínas de sua própria utopia. Dentro desta arquitetura, as pessoas podem entrar e caminhar neste exterior / interior, onde estão rodeadas, tanto nas paredes como no chão, por uma paisagem suburbana de 360 graus com oxidação e manchas, como se o tempo tivesse trabalhado nela e quase a transformado em um daguerreótipo. No centro da sala existe uma coluna com um livro de cerca de 300 páginas, contendo cerca de 20 anos de fotos que tirámos de lugares que já desapareceram, que se transformaram, que foram esquecidos, ou de terreno vagos, áreas industriais ou jardins urbanos à beira da cidade. Cada fotografia do livro foi fotocopiada e, em seguida, pictorialmente trabalhada com a mesma técnica usada para as imagens nas paredes. É um fluxo no qual a localização dos lugares não é importante, mas o fundamental é estarem unidos por um destino comum: o fato de terem sido esquecidos. A ideia de uma casa que, embora frágil, em ruínas, opta por proteger a memória desses lugares perdidos, parece-nos a única maneira de construir as bases para uma abordagem nova e mais construtiva para lidar com as questões ambientais. A instituição que hospeda esse trabalho deve proteger, como uma espécie de abraço, essa ruína que, por sua vez, tenta preservar a memória desses lugares, mas, acima de tudo, quer gritar ao mundo que são lugares que precisam de respeito e cuidado; tudo junto parece quase uma espécie de caixa chinesa, como uma máquina de memória na qual é necessário mergulhar para garantir que tudo está ativado no visitante. A cura só pode ocorrer se começarmos a entender que a paisagem é frágil e deve ser amada e protegida antes que seja tarde demais ”.
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António Bracons, Botto e Bruno, “The win blows rouns the empty bloks looking for a home”
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As Carpintarias de São Lázaro são a segunda paragem – de 9 de abril a 5 de Maio de 2019 – de um itinerário que partiu de Atenas (Museu Nacional de Arte Contemporânea de Atenas – EMST), e que em seguida, irá se mudar para Nice (Le109: Pôle De Cultures Contemporaines) para então chegar ao seu destino final em Turim, onde será exibido no Musei Reali.
Para as Carpintarias de São Lázaro,
Sendo o edifício das Carpintarias de São Lázaro quase centenário, e ele mesmo um espaço intensamente vivido, que quase desapareceu após um violento incêndio no início do século XXI, que o transformou numa ruína esquecida durante alguns anos, faz agora todo o sentido acolher esta exposição, até pelo seu tema, num espaço que no fundo inverteu esse próprio processo de esquecimento, através da sua recuperação estrutural e na sua nova função, cultural, onde a par de criar a sua nova história, recupera e preserva a memória da sua existência anterior, dando-lhe continuidade.”
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O projecto da dupla italiana foi vencedor da 3ª edição do Italian Council (2018), concurso promovido pela Direção Geral de Arte Contemporânea e Arquitetura e Periferia Urbana (DGAAP), organismo do Ministério do Património Cultural e Atividades de Itália, para promover a arte contemporânea italiana no mundo.
A Fondazione Merz não é nova no apoio internacional à arte jovem italiana e sempre trabalhou na construção de diálogos e relações entre povos e culturas. Entre estes, um dos mais significativos do ponto de vista cultural e social, diz respeito aos países da bacia do Mediterrâneo que, não só por questões geopolíticas, foram por algum tempo protagonistas de um vasto debate cultural e artístico.
“As próprias diferenças, às vezes divisões reais, entre os países da União, são uma área interessante de reflexão que alguns artistas bem conhecidos estão a analisar e a trazer para o seu trabalho. Grande parte dos meios de comunicação está, por razões óbvias, concentrada nos países do Médio Oriente. No entanto, a Fondazione Merz acredita firmemente que cuidar de lugares e comunidades também deve partir das periferias da Europa. Não se pode, de facto, imaginar uma Europa hospitaleira, capaz e ambientalista, sem considerar a análise das desigualdades que a fragmentam cada vez mais. Para este fim, a Fundação identificou os artistas Botto & Bruno como os interlocutores ideais para uma nova proposta “, refere a Fondazione Merz acerca do trabalho de Botto & Bruno.
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Botto e Bruno são uma dupla artística italiana de Turim: Gianfranco Botto (1963) e Roberta Bruno (1966).
Presentes na cena artística desde os anos 90 do séc. XX, eles trabalham sobretudo em fotografia, vídeo o e instalação.
Desde o início que chamaram a atenção para o seu trabalho com as suas visões de subúrbios desolados, céus cinzentos, edifícios abandonados e decadentes que criam em conjunto uma atmosfera de melancolia e desespero.
Na maioria das vezes usam papel de parede de grande formato para cobrir as paredes e o chão dos espaços de exposições, criando instalações à uma escala quase de tamanho real. As obras de arte de Botto e Bruno apresentam condições existenciais que se encontram entre a miséria e a beleza, a ansiedade e a esperança. O cinema e o imaginário da música contemporânea têm um lugar importante na sua obra, citando algumas vezes explicitamente referências como filmes de Gus van Sant ou a música do Sonic Youth, entre outros.
Os seus trabalhos já foram expostos em vários museus e galerias: entre outros, Papesse Palace, Siena; Palazzo delle Esposizioni, Roma; Centro per l’Arte Contemporanea Luigi Pecci, Prato; The Palace of Arts, Napoles; Manifesta 7, Bolzano; CaixaForum Fundacio “la Caixa”, Barcelona; MAMCO, Geneva; 8th Shanghai Biennial – Act 3: Rehearsal, Shanghai. Também foram convidados para apresentar em 2001 a Bienal de Veneza com um projecto para a entrada das Cordoarias com o título “House Where Nobody Lives”.
Entre os prémios mais importantes que a dupla recebeu encontram-se: “Premio Torino meets … Art”, promovido pela ArteGiovane de Turim; a Residência artística no Convento de Récollets, Paris, e o Prémio internacional para a realização de uma obra de arte para a nova Cidadela da Justiça em Veneza.
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