EVA DÍEZ, LUGAR DE AUSÊNCIA
Exposição na Galeria das Salgadeiras, na R. da Atalaia, 12 a 16, no Bairro Alto, em Lisboa, de 16 de Fevereiro a 20 de Abril de 2019
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Eva Díez, Lugar de Ausência, 2018
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Os lugares são a geografia da solidão.
Manuel António Pina
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O silêncio só raramente é vazio
diz alguma coisa
diz o que não é
José Tolentino Mendonça
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Uma casa sobre a paisagem. Uma casa que não se vê. Ou que se vê pelo que a envolve.
A casa é feita de espelho. Mostra o que está para o outro lado, para o lado de cá.
Ninguém habita a casa. Apenas o olhar.
O olhar vê a paisagem que nela se reflete, adivinha a casa na diferença da paisagem.
A paisagem na paisagem.
A casa é o local para onde se olha.
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Sobre a exposição escreve Cláudio Garrudo:
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UM VAZIO PLENO
Voltemos ao útero, como se de uma analepse se tratasse. O útero, essa primeira casa que habitamos e vivemos, onde criamos relações, crescemos e sentimos o mundo exterior através de paredes. Em “Lugar de Ausencia”, Eva Díez (Vigo, 1982) não regressa no tempo a uma casa uterina, mas convoca-nos para um tempo e um espaço de recolhimento. Cria um receptáculo em espelho que, como a própria artista diz, “à semelhança do vazio, não contém nada e contém todo o universo.”
Este novo trabalho mantém uma forte relação com as séries anteriores, tendo como elemento nuclear “a Casa”. Em “Renacer” (2015), Prémio Galego de Fotografia Contemporânea e com exposição em Portugal na Galeria das Salgadeiras em 2017, Eva Díez trabalha a casa com uma linguagem cinematográfica, abandonada, vazia, conferindo-lhe uma segunda vida através da luz que a volta a habitar. As casas renascem com a sua intervenção no espaço, fruto do trabalho de iluminação e voltam a ter alma, ou será a ilusão de estarem habitadas? Na série “Los que habitan” (2014) recria casas provisórias em espaços desabitados para diversas espécies animais, vivendo com eles, interagindo e ganhando a sua confiança para os poder retratar de forma quase humana. Nesta série, a autora utiliza o espelho pela primeira vez numa das imagens, a do periquito, onde pretende criar uma companhia para o animal retratado.
Voltando a “Lugar de Ausencia” em que Eva Díez trabalha novamente a casa como conceito, desta vez utilizando um material com elevada carga simbólica – o espelho.
Existem registos do espelho, não como o conhecemos nos nossos dias, há cerca de 2500 anos. “Em peças de cerâmica antigas do século V a.C., vemos elegantes damas de Corinto que se miram em pequenos discos de metal polido, fixados num cabo ou num pé…” (História do Espelho, Sabine Malchior-Bonnet, Orfeu Negro, 2016). Ao longo da história, o espelho inspirou criações nas artes visuais, na literatura, na arquitectura, no cinema: do Palácio de Versailles com os 357 espelhos na Galeria dos Espelhos criada em 1678 no reinado de Luís XIV, às fotografias da série “The mirror suitcase men” (2004) de Rui Calçada Bastos (Lisboa, 1971) ou às esculturas de José Pedro Croft (Porto, 1957) em Almourol no Parque de Escultura Contemporânea.
Em diversas civilizações acredita-se que o espelho leva a alma, mas em “Lugar de Ausencia” as imagens de Eva Díez não nos levam nada, antes pelo contrário, arriscaria dizer que partilham connosco a alma da artista e da pessoa, são o seu eco. E o eco da casa, o eco do espelho e o eco da sua voz que sussurra um silêncio cheio de vozes. Em “Lugar de Ausencia” a utilização do espelho não está embebida de uma perspectiva narcísica, reclama-se do sujeito uma reflexão e não o seu reflexo. Há um espaço e um tempo próprios e há tempo para uma contemplação, para uma pausa, para suspender o tempo, essa raridade das sociedades contemporâneas. Pouco sabemos da sua geografia, tempo ou espaço, característica transversal nas três séries apresentadas pela artista e atrás referidas. Sentimos um vazio pleno, um silêncio cheio, o que parecendo antagónico, nos mostra como estas imagens estão repletas de simbolismo e refletem um voltar às origens, à natureza e ao tempo que urge abrandar.
As imagens fotográficas de “Lugar de Ausencia” remetem-nos também para a questão filosófica do conceito de espaço: saber se ele é real e objectivo ou percepcionado enquanto construção mental das pessoas. A leitura de imagens refletidas suscita a imaginação e cria uma outra realidade, que se nota, por exemplo, quando nos olhamos ao espelho, em que o olho direito passa a ser o esquerdo e vice-versa. Entre outras esta será, porventura, uma leitura possível, pois sabemos que o próprio reflexo de um espelho não é real.
Entre o real e o imaginário, Eva Díez fez esta viagem e faz-nos viajar com ela, seja no tempo actual, seja parando o tempo e deixando o observador/espectador regressar às suas casas, simbólicas, físicas, imaginárias, uterinas.
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Lisboa, Janeiro de 2019
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António Bracons, Aspetos da exposição, 2019
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Eva Díez (Vigo, Pontevedra, 1982) é uma artista cujo trabalho pode classificar-secomo “fotopoético” dada a clara intencionalidade lírica que se encontra nas suas fotografias. Nelas joga com a simbologia da luz e a estética da ruína para dar azo a uma reflexão sobre a imagem imemorial do lar. A sua formação em cinema, fotografia e arte definem o seu trabalho, onde toda a produção manifesta um certo carácter cénico. Cada vez mais subtil, deixando para trás artifícios estéticos das suas primeiras obras, o trabalho de Eva Díez tem vindo a centrar-se principalmente na pureza do conceito da habitabilidade do espaço.
São frequentes as referências ao sonho poético de Bachelard, tendo em conta a simbologia da casa como uma metáfora plástica do nosso inconsciente, um estímulo à memória e à imaginação.
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Pode conhecer melhor o trabalho da autora aqui.
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