HELENA GONÇALVES, RAIZ

.

.

.

 

Este slideshow necessita de JavaScript.

António Bracons, Aspetos do projeto / exposição “Raiz”, de Helena Gonçalves, 2018

.

.

Esta é uma exposição que queria trazer ao Fascínio da Fotografia. Porque é um trabalho muito interessante, de grande intensidade e maturidade. Pelas imagens, pela montagem, pela iluminação, pela Helena Gonçalves – que só a espaços nos deixa ver o seu trabalho. Assim. Não o consegui mostrar antes, mas a fotografia é intemporal…

Raiz. É a raiz que segura a árvore, que a suporta, que resiste aos ventos, é por ela que a árvore se alimenta. É a raiz, a origem…

.

.

Se calhar, começava pelo princípio. Mas o que está no princípio? As trevas ou a luz? O corpo ou a paisagem? A presença ou a ausência? O rosto na sua ausência? A imagem ou a vida? Decididamente, não o verbo. (No entanto, entre o ruído há vozes – e palavras e frases e diálogo. Ou assim parece.)

O que falta a uma imagem fotográfica? Movimento? Momentos anteriores e momentos posteriores? O que falta, aqui, e por isso se acrescenta, é o som. Imagem-som. Imagem-ruído. Ao contrário, a narrativa que, quase insidiosamente, se infiltra nas imagens, que se lhes cola, que delas escorre, a narrativa é afastada, vira-se-lhe as costas, elide-se, emaranha-se, explode-se. Fragmenta-se.

As imagens aparecem – ou desaparecem. Revelam-se – naquele misticismo que enche todo o vocabulário fotográfico. Os corpos emergem das trevas pela luz, entre o visível e o invisível. E às trevas regressam. Ver e não ver, saber e não saber. Ver não é saber: vemos e não reconhecemos – vemos e não compreendemos. Demasiadamente literal, ou demasiadamente figurado, escapa-nos. E ficamos sozinhos. No escuro. Entre a vida e a morte, o passado e o presente, a ordem e o caos. Como aquela árvore sob a rede: viva mas presa – preservada. Ameaçada? Doente? Explorada?

Natureza viva, natureza morta. Pão morto? Pão corpo. Pão podre. Carne. Na sua materialidade táctil, a textura será a carne das coisas?

Trindade genérica da história da imagem ocidental: paisagem, natureza-morta, retrato. Géneros tantas vezes permeáveis, tantas vezes intercambiáveis. Paisagem – e rostos invisíveis. Corpos sem rostos visíveis. Corpos de mulheres – às vezes (uma única), com o seu homem. Corpos sem cabeças, imersas na escuridão. Cabeças só cabelos, rostos ausentes. Retratos sem rostos? Auto-representações? Personagens que representam o seu autor. Que o apresentam. Pelo corpo dele ou pelo corpo de outros.

Corpos que agem. Actores. Acções – incompreensíveis enquanto fragmentadas. Andam, olham, agitam-se, param – mas para onde, porquê, com que significado? Ela dança ou contorce-se? Estende os braços – e eu lembro-me das figuras de convite nos painéis de azulejos. Teatro ou ritual? Gente e bichos, árvores e terra e coisas feitas e coisas desfeitas (os românticos diriam “ruínas”). Mudos.

Paisagens sempre habitadas – por pessoas (personagens?) ou histórias. Paisagens naturais e paisagens construídas. Construídas enquanto construção civil e enquanto narrativa. Amendoeiras em flor, terra vermelha, mar, campo e serra. O Algarve. Um Algarve nocturno, tenebroso, inquietante – pessoal. Um Algarve pessoal é o contrário de um Algarve turístico – o Allgarve. A imagem, sobretudo a fotográfica, aproxima-se com demasiada facilidade do turismo, da sua leveza epidérmica, dos seus caminhos já feitos, das suas viagens sem ir, dos seus roubos sem roubar. Também a fotografia se apropria mas deixa ficar. Impressão – não tatuagem. Pele película, não pele carne. Aqui, mais do que imagens, são vivências, reais ou fictícias – ou ficcionadas a partir do vivido, vividas a partir da ficção (que as transpõe, que as consciencializa, que as pensa, que as transforma). Não é uma ficção para ser outro(s), mas para ser o próprio. Não é uma ficção que simula, quando muito dissimula, deixando num limiar entre o coberto e o descoberto. Esconde e revela. Como se revela o que não está escondido?

O que é o preto? É presença ou ausência? Todas as cores, como na pintura das tintas misturadas, ou ausência de luz, como na fotografia? Luz que, positivamente, queima o negativo fotográfico a negro. Mais do que o escuro, o preto é, na tradição ocidental e moderna, a sua representação. Mas, aqui, acho que é matéria, força, origem, destino e personagem.

Raiz ou rizoma, este caminhar sem caminho, estes percursos sem mapa, estas excursões interiores?

A raiz, invisível, está no fundo, sobe do fundo para se tornar caule e o que mais for a planta – de que fundo? Do fundo de quem? Ou de quê.

“O anjo respondeu-lhe: ‘O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra’.”

  1. Lucas, 1:35

José António Leitão

.

.

.

46444457_10217947589147198_8939718618371850240_n

.

.

Raiz, de Helena Gonçalves esteve em exposição em Lisboa, na Confeitaria, na R. João Saraiva, 28A – 2.ºF, em Alvalade, de 30 de novembro a 22 de dezembro de 2018.

O horário de abertura era ao fim da tarde, quando lá fora era já noite, por forma a permitir que a iluminação projetada funcionasse e se visse a exposição com essa luz artificial, moldada a cada imagem.

.

.

.

Helena Gonçalves (Portimão, 1978)

Curso Avançado de Fotografia do Ar.Co, em Lisboa, em 2004. É Professora de Fotografia no Ar.Co., desde 2005.

Colaborou com a Kameraphoto, no laboratório Kprint, entre 2009 e Março de 2014.

Colaborou com o fotógrafo Luís Pavão na área de “Fotografia” e “Digitalização e Tratamento de Imagem”, 2004 – 2009.

Impressora a Preto e Branco em laboratório analógico, entre 2001 e 2004.

Exposições (selecção): «Espaço Ginjal», Galeria das Salgadeiras, Lisboa (2014), «Territories de la photographie portugaise», com a curadoria de Rui Prata, na Galerie Nationale de la Tapisserie, Beauvais, França (2013), «Monchique» na Galeria FotoGrafic, Praga, República Checa (2012), «11.09.10», com a curadoria de Ana Matos, Museu de Arte Contemporânea, Funchal,Madeira (2011) e no Espaço Ginjal, Cacilhas, Almada (2010), «Finalistas Emergentes DST» – Encontros da Imagem 2010, Braga (2010), «Fronteiras do Género» – Encontros da Imagem ’09, Braga (2009), Bienal «Jovens Criadores», Bari, Itália (2008), «Dia-Noite», Galeria das Salgadeiras, Lisboa (2008), «Fogo e Água» em itinerância na Província de Granada, Espanha (2006), «Dança», Galeria das Salgadeiras, Lisboa (2003).

O seu trabalho integra as colecções da Fundação EDP e da Fundação José Saramago, assim como diversas colecções privadas.

.

.

.