CLARA MENÉRES, NIGREDO. DE MÚXIA A MALPICA, 2003
Homenagem a Clara Menéres (Casa de Vilar, S. Vítor, Braga, 22 de agosto de 1943 – Lisboa, 10 de maio de 2018)
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Clara Menéres
Nigredo. De Múxia a Malpica
Fotografia: Clara Menéres / Texto: Álvaro Garrido, Francisco J. Fernández Naval, Clara Menéres
Ílhavo: Museu Marítimo de Ílhavo / Maio . 2003
Português e espanhol / 21,2 x 25,0 cm / 56 pp.
Brochura, sobrecapa em papel vegetal com impressão / 1.000 ex.
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O acidente do petroleiro Prestige, “ao largo da mítica costa da morte, na Galiza”, em 13 de novembro de 2002, deixou uma desolação e morte ao longo de toda a costa noroeste da Península Ibérica, sendo o mais grave desastre ecológico da região.
Clara partiu para lá, não distante da sua Braga natal, viu e fotografou.
O negrume tudo invadiu: rochas, barcos, redes, aves, paredões, longas extensões de praia e de costa… As ferramentas e os cestos em que os homens recolhem a mancha desoladora da paisagem, procurando retomar a vida.
Como a Clara escreve no catálogo:
DE MÚXIA A MALPICA
Nigredo é a sombria fase do processo alquímico, a obra ao negro que envolve a vida num manto de morte para depois ressuscitar. O Prestige foi o ventre que gerou a maré de tristeza e destruição que rebaptizou a Costa da Morte. Galiza e Portugal têm destino comum, ligados pela língua e pelo mar que lhes dá sustento e desejo de voar sobre as águas, partilhando o mundo.
Múxia e Malpica são duas povoações costeiras diferentemente afectadas pelo desastre do Prestige. Em Múxia, a maré negra invadiu a cidade, subindo da praia pelo paredão à praça, manchando as paredes das casas. Em Malpica, reteve no porto as embarcações, paralisou a faina, fez descer o silêncio sobre os armazéns de peixe, amontoou as embalagens vazias, as redes e as artes da pesca.”
Ao Chisco agradeço o texto inspirador do qual retirei fragmentos que acompanham as fotografias.
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O catálogo é branco. A capa branca, muito branca, apenas o texto sobre o vegetal da sobrecapa num cinza quente. O miolo também branco, o texto e as imagens a preto. Este branco é assim quase um luto, contrasta com o negro do petróleo bruto derramado, que de forma dramática, ocupou a paisagem.
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Clara Menéres, Nigredo. De Múxia a Malpica, 2003
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“Nigredo. de Múxia a Malpica”, de Clara Menéres, fotografia e instalação, esteve em exposição no Museu Marítimo de Ílhavo de 6 de junho a 25 de julho de 2003 e na Fundación Caixa Galicia, em Galiza, Espanha, posteriormente, até 15 de novembro de 2003.
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Maria Clara Rebelo de Carvalho Menéres nasceu na Casa de Vilar, em S. Vítor, Braga, a 22 de agosto de 1943.
Aluna de Barata Feyo, Lagoa Henriques e Júlio Resende na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, concluiu em 1968 o curso de Escultura com a apresentação do trabalho “A Menina Amélia que vive na Rua do Almada”. A escultora impõs-se desde muito cedo com uma obra de forte carácter inventivo, em crescente tónus espiritual.
Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris (1978-81), fez doutoramento na Universidade Paris VII (1983), foi Research Fellow do Center for Advanced Visual Studies do MIT (Massachusetts Institute of Technology) de 1987 a 1991, e professora na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (1971-1996) onde entre 1993 e 1996 exerceu o cargo de Presidente do Conselho Diretivo. Foi também professora na Universidade de Évora (1996-2007), onde atingiu o grau de Professora Catedrática.
Pertenceu, com Lima Carvalho, ao grupo ACRE. Era membro da Academia Nacional de Belas Artes. A morte de Clara Menéres constitui uma perda significativa no panorama da arte portuguesa contemporânea. Conheci-a em várias circunstâncias, em júris académicos, em exposições, em espaço de amigos comuns, em partilha de ideias. Defendia, tal como Ernesto de Sousa, que toda a arte é sacra – e é! (Vitor Serrão)
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Luís Branco, Clara Menéres, 2002
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Recordo Clara Menéres, pessoa forte de espírito e de personalidade. O olhar sério, frontal, mas com um sorriso. A sua sala, ampla e grande, para acolher. Recheada de livros e de obras de arte, algumas de alunos, outras de amigos. Pinturas, esculturas, mesas… Uma cultura vastíssima, uma conversa sempre interessante.
Falava dos seus projetos e trabalhos, da forma como os acompanhava, de tantos assuntos que a interessavam, com entusiasmo, com grande reflexão. Da sua “língua” na Culturgest, de “Jaz morto e arrefece” (esta integra atualmente a exposição Pós-Pop, na Fundação Gulbenkian) ou tantas outras peças, uma forma de chamar a atenção; ou os anjos no Bom Jesus, em Braga, quando estavam em execução… Recordo da sua obra, a “Papisa” (ou “Coincidentia Oppositorum” ou “Energia I”, 1990) nos jardins da Fundação Gulbenkian, “Jacinta” (2000) na basílica do Santuário de Fátima, ou o “Anjo da Paz”, com que o Santuário assinalou o encerramento das celebrações do Centenário das Aparições do Anjo da Paz (2016), a ‘Josefina aos 18 anos’, ou o seu presépio: Nossa Senhora deitada com o Menino ao lado…
A última peça que inaugurou foi a estátua de João Paulo II, numa rotunda da Maia, Porto, por ocasião da Páscoa.
Entre as muitas exposições, individuais e coletivas, participou na “Alternativa Zero”, Galeria Nacional de Arte Moderna, em Belém (1977), na” XIV Bienal de S. Paulo”, no Brasil (1977), “Anos 60, anos de rutura: uma perspetiva da arte portuguesa nos anos sessenta”, na Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura.
Clara Menéres faleceu em Lisboa, no início da noite de 10 de maio de 2018. Está sepultada no cemitério de Santo Estevão de Barrosas, em Lousada, Porto.
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