ONDE VAI A FEIRA DO LIVRO DE FOTOGRAFIA DE LISBOA? – “CARTA ABERTA” DE FABRICE ZIEGLER
Dentro de um mês, de 24 a 26 de novembro, tem lugar a 8.ª Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, no Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, integrada na programação de Lisboa – Capital Ibero-Americana da Cultura 2017.
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António Bracons, Fabrice Ziegler, 2016
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A este propósito, deixamos aqui uma reflexão de Fabrice Ziegler, em nome da organização da 8.ª Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, sob a forma de Carta Aberta.
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“CARTA ABERTA”
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Onde vai a Feira do Livro de Fotografia de Lisboa?
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Um mês nos separa da realização do próximo certame. Trinta dias, que deverão selar os elementos que irão compor a 8ª edição da Feira do Livro de Fotografia de Lisboa.
Passou-se um ano a construir, juntar, despertar, trabalhar. Pouco a pouco vimos a materializar-se o que deverá ser o encontro deste ano. Esta aventura que parece muitas vezes sem fim; um iniciar constante, teve este ano um sabor particular.
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Em geral, os desafios surgem quantos menos os esperamos. Desta vez, foi no meio de julho do ano passado; recebemos uma chamada da então Directora do Arquivo, a desafiar-nos de integrar a programação de Lisboa – Capital Ibero-Americana da Cultura 2017.
Para que isso se concretizasse tivemos, na realidade, três dias, para definir um projeto e enumerar alguns convidados… estávamos nessa altura nos últimos preparativos da edição anterior, de 2016, faltando apenas 4 meses para a sua realização.
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Aceitámos o desafio e desenvolvemos uma proposta. Activámos as nossas redes e contactámos os nossos interlocutores sul-americanos, e neste diálogo repentino definimos as grandes linhas do que poderia passar a ser apresentado no final do ano seguinte: o Peru iria ser o País convidado, mas com ele achámos importante falar do seu contexto e abordar de forma mais alargada o continente Sul-Americano.
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Neste mundo em movimento, onde a circulação parece facilitada e beneficiando do apoio excepcional do Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, tínhamos finalmente a possibilidade de convidar algumas personalidades oriundas destes contextos distantes. Essa oportunidade rara, que achámos pertinente para o projeto, motivou o nosso esforço. Acreditámos que iria beneficiar a comunidade ligada à fotografia em Portugal e em Lisboa em particular, favorecendo uma melhor compreensão das realidades Peruana e Latino-Americanas em geral, esperando desta forma potencializar diversos encontros e ligações da comunidade portuguesa com um outro continente.
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Neste mesmo sentido, em abril passado lançámos uma Convocatória Aberta dirigida aos Autores e Editoras Ibero-Americanas, da qual a Península Ibérica era naturalmente convidada, na perspectiva de construir de forma participativa uma exposição de fotolivros, a mais representativa possível da diversidade cultural dos 25 Países que compõem o contexto Ibero-Americano. Participaram projetos de 13 países e mais de 150 autores e editoras, para um total de cerca de 170 fotolivros registados. O resultado que iremos apresentar em novembro, durante a Feira, juntará uma parte significativa dos livros na Exposição de Fotolivros Ibero-Americanos.
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Esta iniciativa, e pela primeira vez na pequena história do certame, irá ser levada a Madrid, onde estará em exibição durante a Fiebre Photobook, nos dias 15 e 16 de Dezembro. De seguida, no início de 2018, a mesma exposição irá ser exibida na Galiza, no espaço Dispara Xestión Cultural.
A circulação deste projeto servirá também para reforçar o nosso laço com a comunidade Ibérica, esperando desta forma sensibilizar e dar a conhecer o trabalho que desenvolvemos em Portugal e, ao mesmo tempo, partilhar com o maior número de pessoas, a riqueza e diversidade das propostas editoriais generosamente partilhadas.
Finalmente, como já é o nosso hábito, todos os livros oferecidos, para que esta exposição pudesse ser uma realidade, cerca de 150, irão integrar a Biblioteca Pública do Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, onde qualquer pessoa poderá consultá-los de forma livre.
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Por outro lado, o Programa das Conversas e Apresentações será particularmente marcado pela cultura Latino-Americana, sendo regularmente o castelhano a língua adoptada, mas deixaremos também um lugar importante para as realidades europeias e nacionais, sendo um dos objectivos naturais da Feira – um pólo de valorização da edição de fotolivros portugueses.
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Ao abordar a questão do nosso contexto gostaríamos de partilhar uma pequena reflexão.
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António Bracons, 7.ª Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, 2016
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Infelizmente, todos sabemos das dificuldades existentes na “aventura” da edição e da auto-edição de fotolivros.
Ao longo destes quase 9 anos de trabalho à volta do certame tivemos a possibilidade de ver nascer muitos projetos; concretizarem-se diversas realidades e acompanhámos de forma privilegiada a um sem fim de iniciativas.
No final do ano de 2009, quando iniciámos o projeto, quase que antecipámos uma realidade que iria ganhar a sua maior expressão entre 2013 e 2015 passando a edição do fotolivro a ser uma verdadeira tendência dentro da Fotografia.
Vimos durante esses seis primeiros anos o nosso contexto evoluir, a desenvolver-se e como é óbvio, a aproximar-se de uma desejada maturação.
Mas, forçosamente também constatámos que a produção e os seus ganhos qualitativos continuaram a não saber despertar o seu consumo interno continuando a ser um nicho extremamente restrito, que dificilmente sustenta a sua produção e não permite alcançar outros mercados.
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Da mesma forma, certamente fruto do fácil acesso aos meios de produção – aparentemente mais democratizados, um número elevado de autores arriscaram nas edições de fotolivros. Todos estes esforços não foram recompensados e fizeram surgir diversas realidades, das quais apontaria principalmente a uma tendência na realização de edições mais frágeis, do ponto de vista editorial, e talvez precipitadas, mas igualmente muito díspares na sua execução.
Existe uma tendência generalizada de produzir fotozines, com graus de finalização variável e com preços de capa muitas das vezes elevados.
Esta realidade editorial domina o nosso mercado actual de edições de autor e não só, o que contribui para a crescente dificuldade de percepção e apreciação dos leitores, ou potencial “público-alvo”.
No fluxo global da edição de fotolivro, a produção nacional acaba por não conseguir distinguir-se e isto afecta igualmente algumas editoras independentes nacionais, que foram sendo criadas e pontualmente conseguiram alcançar o mercado internacional.
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Não se trata unicamente de concorrência, mas certamente a banalização de uma oferta, que só poderá ser ultrapassada apostando na qualidade editorial e eventualmente no melhoramento das suas edições, pois continuamos a achar que o objeto-livro é um suporte tendencialmente portador para a expressão fotográfica.
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Esta tendência reflete-se particularmente na edição deste ano, onde notamos um decréscimo da participação dos Autores nacionais e até de algumas entidades profissionais relacionadas com o fotolivro.
É importante realçar que na 8ª edição da Feira limitámos o nosso convite apenas a alguns profissionais, sendo um pouco mais criteriosos e privilegiando as entidades que nos pareceram mais ativas.
Nalguns casos, este recuo de adesão e eventual ausência de outros poderá ter outras origens, pelas quais devemos reflectir, enquanto organizadores.
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No domínio profissional, continuamos a observar uma grande dispersão na acção e disseminação da oferta editorial.
Cada um continuando convicto ser detentor de uma parte da verdade e certamente nós próprios podemos estar a sofrer do mesmo.
Sabemos que não existe uma solução única e que a concertação poderia ajudar a desenvolver ou pelo menos consolidar este mercado.
Infelizmente, quando se diz que a “união faz a força”, vemos dissensões cada vez mais marcadas à nossa volta.
Alguns dos supostos “players” não são capaz de se juntar no mesmo evento especializado preferindo continuar a correr atrás dos supostos mercados leaders desistindo desta forma do contributo da valorização do contexto de onde são originários e acabando por não contribuir para a sua própria identidade.
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Como organizadores, e de forma natural, sempre privilegiámos o diálogo e a colaboração mostrando uma forte vontade e capacidade em concretizar os projetos nos quais estamos envolvidos, de forma a progredir colectivamente – sendo o contexto nacional a nossa prioridade.
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Sabemos que a nossa realidade deve conseguir dialogar com os seus pares no plano internacional e soubemos-nos situar. Temos plena consciência da nossa situação periférica em relação aos eventos principais, que se realizam noutras cidades europeias e não só. Este facto não é redutor. É uma particularidade partilhada por muitos projetos disseminados pelo mundo fora acabando por ser um potencial para quem trabalha de uma forma descomplexada e com ambição ajustada.
Quando programamos e abrimos o certame a outros contextos pretendemos responder às expectativas dos Autores e do público em geral. Potencializar novas descobertas e encontros. Favorecer o networking e com ele o surgimento de novos projetos de circulação e colaboração.
Os laboratórios de criatividade nunca estão implantados nos sistemas mais estabilizados, mas sim nas margens.
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Este ano iremos partilhar algumas realidades sobre a dinâmica latino-americana, onde a maioria dos agentes ligados à Fotografia trabalha e desenvolve as suas iniciativas em rede, de país a país, com distâncias físicas superiores a vários milhares de quilómetros, muitas vezes ultrapassando a nossa imaginação – mas esta situação não invalida o desenvolvimento dos contextos e das suas especificidades.
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Reconhecemos a necessidade de circulação, para poder crescer e sustentar qualquer projeto editorial nacional.
Continuamos a achar saudável uma reflexão neste domínio e eventualmente o aparecimento de novos agentes capazes de profissionalizar este segmento da edição independente, porque infelizmente neste momento sentimos uma falta de interlocutores; uma perigosa centralização da atenção em alguns agentes e mediadores, o que pode limitar e condicionar o desenvolvimento dos projetos editoriais e não responde às necessidades nem dos autores, nem do próprio público.
Necessitamos portanto, de completar e favorecer o surgimentos de novos agentes capazes de dialogar e ajudar ao desenvolvimento do contexto.
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Devemos ficar preocupados com essa situação? Não!
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Temos que de trabalhar mais e alargar a concertação, pois somos igualmente responsáveis por esta situação: ou porque pontualmente não conseguimos responder a um determinado desafio, ou porque não fomos capazes de antecipar determinada deriva ou diálogo.
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Parece que o que afinal estivemos a viver e que foi tendência transversal a todos os mercados, foi na realidade a criação de uma enorme bolha, que está eventualmente a vazar.
De uma certa forma, estamos a voltar à normalidade: a um mercado reduzido de leitores, que entretanto já ganharam maturidade e sabem agora mais facilmente apreciar a oferta editorial, o que em si já é um avanço.
Hoje, de forma marcada, a edição relacionada com a fotografia está a ficar abafada pelas fantásticas produções oriundas da ilustração e outras práticas artísticas e editoriais e certamente, o fotolivro representa hoje menos de 1 em cada 30 publicações, dentro do contexto da edição independente.
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Uma outra realidade está igualmente em jogo condicionando o sector da edição de fotolivros.
O contexto do Ensino Artístico: as Escolas de Ensino Artístico, bem como as diversas soluções formativas neste domínio estão com dificuldades em ganhar audiência e massa crítica nos domínios exclusivamente relacionados com a Fotografia.
Esta tendência que tem vindo a acentuar-se desde há uma década parece irreversível neste momento, principalmente junto das gerações mais novas.
Mas não existem menos interessados. Existem outras formas de se interessar.
A noção de multimédia é um factor transversal à aquisição e desenvolvimento de conhecimento de práticas artísticas. Não é novo, mas na era digital ganhou outro significado e vivência.
Estas observações não explicam tudo, como é óbvio, mas esperamos que contribuam para a reflexão necessária sobre a relação da Fotografia e particularmente da edição de fotolivros, com o contexto e o público em geral.
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É desta forma que vemos as circunstâncias actuais.
Todas estas realidades talvez acentuem este regresso à normalidade do mercado.
Não podemos ser negativos, mas urge ser lúcido e devemos viver esta evolução de paradigma como uma oportunidade para os Autores e Editoras Independentes.
Nós, o nosso pequeno grupo de voluntários, espera poder continuar a contribuir e a estar presente nesta próxima fase da edição portuguesa de fotolivros.
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Deixamos aqui o convite aberto a todos os interessados em Fotolivros em participar, interagir e usufruir da próxima edição da Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, que terá lugar entre 24 a 26 de novembro no Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, na Rua da Palma. O programa deste ano deverá despertar alguns interesses e proporcionar novos encontros. Estaremos disponíveis, como sempre estivemos, para conversar sobre estas reflexões e muitas outras.
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Até muito breve,
Fabrice Ziegler
Em representação da organização da Feira do Livro de Fotografia de Lisboa
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Apresentação da 8.ª Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, em português, aqui; em espanhol, aqui; em inglês, aqui; em francês, aqui.
Pode conhecer mais sobre a 8.ª Feira do Livro de Fotografia de Lisboa aqui.
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Apenas uma pequena correção ao texto: o projeto iniciou-se em 2010 e não 2009 como referido.
Boa tarde, Hugo. De facto, o projecto iniciou-se em 2009, embora a primeira edição da Feira tenha tido lugar apenas em 2010, depois de bem mais de um ano de trabalho.
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