CARLA CABANAS, A MECÂNICA DA AUSÊNCIA II

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Pedro dos Reis, Carla Cabanas – A Mecânica da Ausência II, 2017

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1.

Só nos últimos dias de apresentação consegui visitar a exposição A Mecânica da Ausência II, de Carla Cabanas, na galeria Carlos Carvalho Arte Contemporânea, em Lisboa.

Carla Cabanas (Lisboa, 1979) comprou na Feira da Ladra um conjunto de slides. As imagens estendem-se ao longo de uma década, são o registo fotográfico, os instantâneos  (snapshots) da vida de uma família, que desconhece: nem o nome, nem as origens, nem os locais. Algumas imagens têm mais de 50 anos. Em A Mecânica da Ausência II, alguns destes slides são mostrados eles-mesmos, outros remontados conjugando duas imagens, sobrepostas. Paisagens, retratos: por si, são fragmentos de uma vivência – daquela família e, também, de algum modo, comum a outras.

Carla Cabanas propõe uma reflexão sobre o papel e a importância da fotografia, quer no registo familiar, quer como documento e testemunho.

Há a salvaguardar, como sabemos, que o slide é um registo de vivências para partilhar em projeção, em sessão específica, que requer preparação, com um grupo que pode ser grande e, assim, distingue-se da fotografia impressa, que em qualquer momento se pode ver num álbum ou caixa, por um grupo pequeno num mesmo momento.

Na sala ampla, Cabanas coloca sete projetores de slides, com carrossel, alguns pares sincronizados entre si, na maior parte dos casos, quando um projeta uma imagem o outro nada projeta. Não há sete projeções em simultâneo. Muito dificilmente há duas projeções iguais, com as mesmas imagens. Não há uma sequência de lugares ou cronológica.

Diversos panos de tule, transparentes, suspensos, criam como que possíveis caminhos, como um labirinto aberto. As imagens projetam-se nítidas sobre o tule; a luz atravessa-o e projeta-se a imagem na parede da galeria, gigantesca e desfocada. Nítida a projeção sobre o diáfano, desfocada a projeção sobre o sólido.

Resultam assim duas imagens: uma pequena e nítida, intimista, familiar, sobre o tule, base efémera, leve, que se agita com um sopro (que não há). Que posso ver de um lado ou do outro – correto ou invertido (se acreditar que o slide está posicionado corretamente, o que pode não acontecer). Na parede, rígida, fixa, temos uma imagem ampla, como projetada, desfocada, por vezes dobrada na esquina da parede ou parcialmente sobreposta a outra imagem de outro projetor.

Carla Cabanas questiona o sentido (nítido) da imagem, como memória de uma história, para quem a viveu ou partilhou. E quando essa imagem é vista por outro, como quando partilhada com amigos e familiares… O desvanecer da memória, implícito na sobreposição de duas imagens, como já não concretizar qual o momento ou o local… E a imagem desfocada – da história, da vivência, do contexto – para quem vê de fora, a imagem como testemunho de um espaço como / ou de uma vivência, por quem não a viveu e para quem não é mais do que uma imagem – ou outra memória, própria e pessoal.

O que são, o que significam, para cada um, as suas fotografias?

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António Bracons, Carla Cabanas – O Miradouro – Caixa de luz, 2017

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2.

Carla Cabanas complementa a exposição com 3 caixas de luz. As imagens, transpostas do slide para uma película, estão colocadas numa caixa de luz. A caixa de luz afasta-se alguns centímetros de uma chapa refletora, ela fixada à parede. Ressalta uma luz ténue na envolvente da peça.

A caixa de luz esconde, portanto, a imagem. Vemo-la refletida, através de uma nesga, fragmentada, conforme os olhos espreitam. Apercebemo-nos apenas de uma parte. Qual a realidade / verdade da imagem?

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3.

Sobre a exposição, escreve Sérgio Fazenda Rodrigues, curador:

Dando sequência a uma outra exposição, apresentada entre Outubro e Novembro de 2016, o trabalho que Carla Cabanas exibe aborda uma ideia de tempo, especulando sobre o que perdura e que desaparece.

Com um olhar que escrutina e uma memória que é difusa, Carla Cabanas opera sobre a imagem, atenta ao que lhe pertence e ao que sobre ela se fantasia. E investigando as noções de efabulação e reminiscência, a artista cria um dispositivo que exibe e convoca situações vagamente reconhecíveis. Situações documentadas por diapositivos de uma família, em que as imagens do seu quotidiano tendem a ecoar as do nosso, mas também, situações inusitadas que a artista concebe, cruzando personagens, momentos e locais distintos.

O seu campo de acção está, simultaneamente, nas imagens que escolhe, na forma como as manipula, no mecanismo que constrói para as dar a ver, e no espaço que assim se delineia. Deste modo, a galeria transforma-se em mais do que um sítio de acolhimento e assume-se como um lugar de participação, e num delicado equilíbrio entre o que se ausenta e o que permanece, o espectador cruza-se, de forma imersiva, com as lembranças, os sentidos e as personagens que aí habitam.

Entre o que se esbate e o que se fixa, entre o que se projecta e o que se retém, há a hipótese de um enredo que se tenta desenlaçar. Se num primeiro instante isso acontece quando deambulamos pelo labirinto da sala maior, num segundo momento isso acontece quando os objectos de parede, na sala mais pequena, nos chamam à sua proximidade.

A imagem ora é inteira, mas diversa, divagando como um eco pelos recantos de uma sala, ora é parcelar, mas una, sussurrada como um murmúrio pela extensão da outra. E contrariando o pragmatismo do registo fotográfico que lhes está na raiz, quer por excesso, quer por retenção, as figuras são quase sempre vagas e efémeras, e a sua percepção requer uma cumplicidade que assenta na curiosidade e na sedução.
No envolvimento que nos é requerido, Carla Cabanas expande a história que cada imagem detém, transformando um tempo suspenso, em algo vivo, indefinido e fantasiado. Algo que constrói um palimpsesto de referências e abre espaço a uma leitura complexa, estratificada e não linear. Marcando uma teia de sugestões e acontecimentos, que privilegia a emoção à racionalidade de uma qualquer ordem cronológica.”

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A exposição A Mecânica da Ausência II, de Carla Cabanas, esteve patente na galeria Carlos Carvalho Arte Contemporânea, em Lisboa, de 21 de junho a 16 de setembro de 2017.

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Pode conhecer mais sobre a obra de Carla Cabanas aqui.

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