10.000 – OS FOTÓGRAFOS DO PÚBLICO

Dia 4 de setembro saiu o número 10.000 do jornal Público

.

.

.

A 5 de março de 1990 saía a público o primeiro número do jornal Público.

O número 10.000, saiu na segunda-feira, 4 de setembro de 2017.

Um jornal de referência, também a fotografia que publica é de grande qualidade.

A edição especial mereceu, como não podia deixar de ser, destaque, nomeadamente no site do jornal, Entre outros, um espaço em que cada um dos 10 fotógrafos escolheu 10 fotografias. Tarefa árdua, sem dúvida. Quantas centenas de imagens / momentos cada um pode orgulhar-se de viver ou presenciar ou, em última instância, testemunhar!

E, a par dessas dez imagens, a história de uma delas.

Passam pelos nossos olhos 27 anos e meio de história. De Portugal e do Mundo. E do jornalismo, da técnica, da comunicação.

Permito-me neste espaço destacar uma fotografia de cada um dos fotógrafos (aquela que cada um escolheu em primeiro lugar – havia várias outras que gostaria de mostrar…), bem como trazer os seus textos, as suas palavras.

É apenas um breve testemunho e um Obrigado. Ao Público. E também a quem publica (faz) o Público. E ao público que torna possível o Público.

.

.

.

Adriano Miranda

.

.

Adriano Miranda2009

Adriano Miranda, Armando Vara, arguido no caso Face Oculta. Aveiro, Dezembro de 2009

.

A Fotografia não se resume à técnica. A Fotografia é emoção e sentimento. Até a Fotografia que pretende informar. A Fotografia jornalística.

Eu estava lá. Junto à entrada do DIAP de Aveiro. Dia após dia ouvia-se os suspeitos do processo Face Oculta. Depois arguidos. Depois condenados. Armando Vara era um deles. O mais mediático. Durou horas o seu depoimento. Vara saiu já de noite. Colei-me a ele no meio da confusão. Disparei e o “erro técnico” surgiu. Ainda bem. Ganhei a face oculta de Armando Vara.

.

.

.

Alfredo Cunha: A reportagem que não existiu

.

.

Alfredo Cunha

Alfredo Cunha, Bucareste, 1989

.

Numa reunião de editores do futuro jornal PÚBLICO em Dezembro de 1989, Vicente Jorge Silva, o primeiro director do jornal, anunciou que ia enviar três equipas de reportagem para Berlim, Bucareste e Praga. O mundo ia mudar e o PÚBLICO tinha que fazer a reportagem, coisas diferentes, para além da informação, que se tornassem símbolos de qualidade gráfica e informativa.

Depois de um esforço para regressar a tempo de publicar estes trabalhos na primeira edição do jornal, prevista para o dia 1 de Janeiro de 1990, foi anunciado o adiamento da saída do jornal para Março do mesmo ano, e estas reportagens acabaram por nunca ser publicadas como tal.

Apesar disso, o meu trabalho fotográfico feito em Bucareste durante o golpe de estado que derrubou o ditador comunista Nicolae Ceausescu foi, ao longo dos anos, muito publicado em livros e jornais e citado em aulas de jornalismo como exemplo da prática fotográfica do nosso jornal. 10 mil dias depois, vejo finalmente a minha reportagem publicada no sítio para o qual foi feita, o PÚBLICO.

.

.

.

Daniel Rocha

.

.

 Daniel Rocha-0

Daniel Rocha, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Paris, 12 de Junho de 2016

.

Paris, 12 de Junho de 2016. 

Festa dos Santos Populares da Rádio Alfa. 

Em palco, perante milhares de pessoas, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa dirigem-se aos emigrantes portugueses. Durante o discurso do Presidente começa a chover. Inesperadamente e mais rápido que qualquer um dos assessores, o primeiro-ministro dirige-se para junto dele. Protege-o. Duas mais altas figuras de Estado debaixo de um mesmo guarda-chuva. Era A imagem.

A chuvada não durou mais que 3 a 4 minutos. Exigia decisões rápidas. Tinha de fazer a cena de diferentes perspectivas, de trás, de lado, de dentro e fora do palco. E, sobretudo, enquadrar  a cena com um fundo escuro  juntamente com os parâmetros fotograficamente correctos, de modo a destacar as gotas da chuva. No fim, havia várias fotos publicáveis e que permitiriam fazer um “time-lapse” original. Escolhi esta. Porque a política tem sempre uma métrica enquadrável.

.

.

.

Luís Vasconcelos: Viagem pela estrada da América

.

.

Luís Vasconcelos

Luís Vasconcelos, Route 66, EUA, Junho de 1995

.

Luís Vasconcelos e Nuno Ferreira, ao serviço do PÚBLICO, atravessaram a América em Junho de 1995, percorrendo cerca de três mil quilómetros, através da mítica Route 66.

É uma viagem pelo imaginário americano dos anos 40 e 50, os velhos móteis, os grandes espaços abertos do Sudoeste, a rota dos martirizados “okies” da Grande depressão.

.

.

.

Manuel Roberto

.

.

Manuel Roberto

Manuel Roberto, Queda da ponte de Entre-os-Rios, Castelo de Paiva, 4 de Março de 2001

.

O dia em que odiei água!

Com um dos mestres do jornalismo, António Arnaldo Mesquita, hoje aposentado a tratar das suas vinhas, tive a infelicidade de testemunhar umas das piores tragédias em Portugal. Dia 4 de Março de 2001, pelas 21h15. Ouvi na rádio que a ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, tinha colapsado. A caminho de Castelo de Paiva, numa silenciosa e angustiante viagem, soubemos que o rio engolira 59 pessoas. Um pesadelo, do qual julgo nunca ter despertado. Junto do que sobrava da ponte, no breu da noite, o Douro teimava em seguir o seu curso num silêncio aterrador. Ficámos a noite inteira acordados a olhar para aquele caudal que corria como se nada fosse. Sentíamo-nos como se procurássemos notícias de familiares. Partilhámos uma vontade hercúlea de esvaziar todo aquele rio. Com o amanhecer, a brutalidade da tragédia revelou-se: uma sensação de vazio e comoção pela ausência humana, transmitida por toda aquela amálgama fria de betão e metal incapaz de suportar pessoas.

Foi um dos mais desoladores dias da minha vida profissional.

Manuel Roberto

.

.

.

Miguel Manso

.

.

 Miguel Manso-1

Miguel Manso, Manifestação da Função Pública contra o Governo, 12 de Outubro de 2006, Lisboa

.

Resumir milhares de fotos tiradas em 11 anos a uma só. Tarefa impossível. Um momento marcante, como foi a Primavera Árabe na Tunísia, onde a alegria das pessoas que se manifestavam na avenida Habib Bourguiba para celebrar o fim da ditadura era contagiante. A vitória de Alexis Tsipras nas eleições gregas de Janeiro de 2015 onde o Syriza quase teve maioria absoluta.

Escolho uma foto mais simbólica a nível pessoal. A minha primeira foto na primeira página do PÚBLICO, o jornal que eu lia desde adolescente, não sonhando ainda que um dia viria a ser fotojornalista. Depois de um percurso académico errático, estava a estagiar no PÚBLICO com o David Clifford, o Miguel Madeira, o Daniel Rocha, os nomes que eu conhecia de ler nas páginas do jornal.

A esperança que fosse a primeira de muitas. Esta foi a minha escola, era ali que queria ficar para sempre.

Miguel Manso

.

.

.

Nelson Garrido

.

.

Nelson Garrido

Nelson Garrido, Demolição do Bairro de São João de Deus. Porto, Abril de 2004

.

O bairro de São João de Deus sempre foi um lugar mítico para fotografar.

Lembro-me duma manhã em que recebo um telefonema, por volta das sete horas, a avisar que blocos do Bairro estavam a ser demolidos. Tinha de ir para lá.

O dia tinha nascido cinzento e com uma chuva persistente. Quando lá cheguei deparei-me com um cenário digno dos filmes italianos. Na altura ainda fotografava com película e lembro-me de tentar proteger os filmes o máximo da chuva. Lembro-me duma senhora me levar a mostrar as máquinas que avançavam sobre os blocos, vi pessoas a carregar colchões na cabeça. A foto da senhora acusadora foi capa do jornal no dia seguinte.

.

.

.

Nuno Ferreira Santos

.

.

Nuno Ferreira Santos

Nuno Ferreira Santos, Manuel Pinho na Assembleia da República. Julho de 2009

 

.

À velocidade de um click

Era um daqueles dias compridos do debate do Estado da Nação e o primeiro-ministro, José Sócrates, estava a discursar. Em termos de imagem, não havia nada de novo ali. Já tinha reparado que o ministro da Economia, Manuel Pinho, estava um bocado exaltado com o deputado do PCP, Bernardino Soares, e comecei a apontar a câmara para ele, porque pensei que poderia sair dali uma imagem diferente da habitual. Voltava ao Sócrates de vez em quando, mas, a maior parte do tempo, apontava para o ministro. De repente, vi-o fazer um gesto muito rápido e fui verificar à máquina o que tinha sido. Quando vi o que ele tinha feito, decidi mandar a fotografia imediatamente para o jornal e o PÚBLICO colocou-a logo online. Foi extraordinário, porque minutos depois só se viam deputados debruçados sobre os écrãs a ver a fotografia e, num ápice, havia prints da imagem a circular na Assembleia da República. Mais ninguém tinha aquela fotografia. O que mais me impressionou foi a velocidade gigante a que tudo se processou, porque o jornalismo também mudou – as coisas não saem no dia seguinte, mas na hora. O ministro saiu por duas vezes da sala e à segunda já não regressou. No final, Sócrates anunciou que ele se tinha demitido.

.

.

.

Paulo Pimenta

.

.

Paulo Pimenta

Paulo Pimenta, Pina Bausch. Lisboa, Maio de 2008

.

Saudade

Eu era fã do trabalho e da figura da Pina Bausch (27.07.1940 – 30.06.2009) há muito tempo. Achava fascinante o trabalho que ela desenvolvia na dança contemporânea. Quando soube que ela vinha a Lisboa com a peça Café Müller fui de propósito do Porto para a fotografar. Já conhecia a peça há muito tempo, mas vê-la ao vivo… Fiquei muito feliz por estar ali e quando voltei para o Porto e fiz a edição do trabalho propus à secção da Cultura a publicação de um portfólio. A Pina Bausch viu o trabalho, gostou muito, e ligaram-me da companhia a pedir para usar as imagens em publicações, cartazes. Fiquei felicíssimo e, além dos ficheiros com as imagens, enviei-lhe também algumas fotografias impressas, com a condição de me devolver uma, autografada. O que ela fez.

Estava a planear ir fotografar os bastidores do seu trabalho na Alemanha quando ela morreu repentinamente. O PÚBLICO usou esta imagem na capa, nessa altura. E as fotos que cedi à companhia ainda andam por aí. Ainda há pouco estava uma no metro de Tóquio, no Japão. Para mim, essa fotografia é uma das mais importantes e simbólicas que fiz para o PÚBLICO. Também porque me desperta a saudade, esse sentimento tão nosso.

Paulo Pimenta

.

.

.

Rui Gaudêncio

.

.

Rui Gaudêncio

Rui Gaudêncio, Mónica Calle. Lisboa, Julho de 2011

.

Pessoas que utilizam o corpo no seu trabalho. Este era o tema de capa do Ípsilon. Só me ocorria fotografar a textura da carne moldada pela luz.

É difícil chegar e pedir a um desconhecido que se dispa para um retrato. Foi o que aconteceu quando cheguei à Casa Conveniente para fotografar a Mónica Calle. Ouviu-me, foi buscar um copo de vinho e sentou-se a olhar para mim. Minutos depois propõe começar a ensaiar para entrar na personagem e as coisas fluírem naturalmente. Assim foi. A relação de confiança e empatia foi-se estabelecendo. E as imagens começaram a surgir.

A sombra molda a vivência de um corpo. E como a Mónica disse em entrevista “Ao expor-me, permito a construção de um corpo público”.

.

.

.

A fotogaleria faz parte do Especial Edição 10.000 do PÚBLICO, que pode ser consultado aqui, as fotografias aqui.

.

.

.