VALTER VINAGRE, PARA, 2006
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Valter Vinagre
Para
Fotografia: Valter Vinagre / Texto: Celso Martins e Estrada Viva – Liga contra o Trauma
Lisboa: Assírio & Alvim / novembro.2006
Coleção Livros de Fotografia, n.º 46
Português, inglês / 24,0 x 18,7 cm / 72 págs., não paginado
Brochura / 500 ex.
ISBN: 9789723711721
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“A importância deste livro: é um registo de dor, mas também de resistência.
De resistência ao esquecimento.”
Estrada Viva – Liga contra o Trauma
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para
As fotografias de Valter Vinagre, a preto e branco, não mostram mais que algumas flores ou ramos de flores, alguns a murchar: atados a árvores, a rails de autoestrada, junto a muros, a postes, por vezes com uma cruz. São
para
memória presente,
para
quem morreu num acidente de automóvel,
para
assinalar o trágico acontecimento.
Porque alguém distraiu-se ou adormeceu ao volante, despistou-se, porque havia água ou óleo na estrada, porque a velocidade era excessiva, porque foi atropelado… Não é importante ‘porque’… Autoestrada ou estrada nacional, ou municipal, não é importante. É importante que alguém morreu…
para
um pai ou mãe, filho, familiar, amigo, alguém querido…
para
a memória a família colocou um ramo no local, marcando uma presença, alertando também,
para
o perigo que é a estrada, que é a condução, se há distração, se se facilita…
para
cada ramo é uma vida que se perdeu, cada uma, uma história que Valter conhece, porque só assim faz sentido a fotografia,
para
memória futura.
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Para memória futura é o ensaio que Celso Martins escreveu para este livro. Alguns sublinhados:
A relação da fotografia com a morte é antiga e complexa. … A morte, e com ela a evidência do cadáver, fez parte deste desejo de presença razoavelmente intemporal a que a fotografia, com o seu carácter totémico assentou como uma luva. …
As fotografias de Valter Vinagre da série «Para» não mostram gente, mas é decididamente de gente que falam. Fazem-no de um modo subterrâneo, como subterrâneo é o fenómeno inscrito em todas elas. Uma homenagem fúnebre a gente que desapareceu do mundo dos vivos numa fracção de segundos. Porque a estrada estava mal pavimentada, porque o «relevê» da curva estava «ao contrário», porque havia óleo ou chuva na estrada, porque alguém não mediu bem a distância para uma ultrapassagem, porque alguém se distraiu a acender um cigarro ou a mudar um CD. Porque, porque, porque… as justificações são aqui pouco importantes. … Estas imagens não penetram o círculo jornalístico e imediato da morte. Enunciam uma dor abstracta, mas não se apartam dela. As imagens de Vinagre falam, pois, da morte. Percorrendo as estradas do país, o fotógrafo encontrou estranhas manifestações funerárias de beira da estrada. Flores, coroas de flores assinalam trágicos acontecimentos rodoviários onde pessoas perderam a vida.
…
A imagem das coroas de flores que inundam as estradas nacionais portuguesas – muitas outras podem ser encontradas pelos cinco continentes numa estranha universalidade – tornam presentes duas realidades complementares. Uma é subejamente conhecida: a proclamada «guerra civil» não declarada que faz os indivíduos investirem na condução toda a espécie de pulsões permanece uma realidade no país pretensamente moderno que somos; a outra, prende-se com o fato de que essa funesta realidade está tão entranhada e «naturalizada» no nosso quotidiano que já criou um rito e um luto específico.
…
As manifestações de luto nas estradas portuguesas estabelecem um estranho rasto de humanidade onde ela, precisamente, seria pouco provável. O cenário de circulação a alta velocidade deixa de ser um limbo árido entre dois pontos (um lugar «Para» como sugere o nome da série) para passar a ser um lugar visitável, habitado por uma ideia de sagrado que captura e reenquadra a morte num teatro estranho à culturação codificada pela religião e pelos costumes. …”
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Valter Vinagre, Para, 2006
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Este livro insere-se na “Trilogia da Dor”, de Valter Vinagre: OLHA – para – Carta do Sentir, sendo cada projeto desenvolvido ao longo de vários anos: “OLHA” foi publicado em 2011, “para” em 2006 e “Carta Do Sentir” em 2001.
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Pode ver no Fascínio da Fotografia, “OLHA” aqui e “Carta do Sentir” aqui.
Pode ver mais sobre este projeto no site do Autor, aqui e um documentário sobre a série aqui.
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Atualizado em 15.04.2020 com o documentário.
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