STEFANO SERAFIN, ARTE EM ESTADO DE GUERRA
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Quando pensamos em guerra vem-nos à memória a perda de vidas humanas e os muitos feridos e incapacitados resultantes, as cidades destruídas. No meio de toda a destruição é também muito da história e da cultura que se perde: os monumentos e as obras de arte, quer as presentes nos museus, quer nas coleções particulares.
“Esta exposição evoca os 100 anos da destruição dos museus durante o flagelo da Primeira Guerra Mundial e o impacto da reprodução fotográfica na historiografia da arte. A exposição tem subjacente uma grande investigação sobre a reprodução fotográfica de obras de arte e disponibiliza fotografias inéditas da centenária tragédia”, diz Paula Pinto, curadora da exposição.
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Stefano Serafin (1862-1944), Busto di Napoleone Bonaparte de Antonio Canova – [1918-22]: negativo p/b, gelatina brometo de prata/ vidro, 64x90mm – Fundo Giuseppe Fini, inv. 596 / F 664 – FAST – Foto Archivio Storico Trevigiano della Provincia di Treviso, Itália
Stefano Serafin (1862-1944), Tersicore de Antonio Canova – [1918-22]: negativo p/b, gelatina brometo de prata/ vidro, 64x90mm – Fundo Giuseppe Fini, inv. 599 / F 667- FAST – Foto Archivio Storico Trevigiano della Provincia di Treviso, Itália
Siro Serafin (1897-1963), Transporte dos gessos de Antonio Canova abrigados no Templo de Possagno durante a Segunda Guerra Mundial – [c.1948]: negativo p/b, gelatina brometo de prata/ vidro, 90x120mm – Fundo Giuseppe Fini, inv. 637 / F 704 – FAST – Foto Archivio Storico Trevigiano della Provincia di Treviso, Itália
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Sobre a exposição, escreve Paula Pinto:
As fotografias de Stefano Serafin (Possagno, Veneto, 1862-1944) que retratam a destruição das esculturas de Antonio Canova (Possagno, 1757-1822) durante a Primeira Guerra Mundial, têm um forte impacto tanto na história fotográfica da reprodução de obras de arte como na história dos próprios objectos. Estas fotografias representam o limite da destruição a que as obras de arte estão sujeitas. Elas já não representam as esculturas de António Canova. A reconstrução das obras por Stefano Serafin, o conservador da Gipsoteca desde 1891, obrigou à assunção destes objetos não como artefactos únicos, mas antes enquanto objectos sujeitos a transformações. Invocando as várias fases do processo criativo de Canova que originaram os diversos artefactos em gesso existentes na Gipsoteca de Possagno (Veneto), Serafin reconstruiu a maior parte dos gessos a partir das correspondentes esculturas em mármore. Ao fazer moldes das obras em mármore para recuperar os gessos, o conservador reverteu a hierarquia de alguns destes objetos, uma vez que transformou aqueles que eram considerados modelos originais, em cópias. Mas estas inversões chamaram atenção para a complexidade dos processos reprodutivos desenvolvidos por Antonio Canova, na elaboração de originais.
As suas fotografias captaram a “aura” dos gessos do escultor neoclássico. Embora a ideia de facsimile seja primordial para a tecnologia reprodutiva em gesso, o restauro provou identificar melhor os processos transformativos pelos quais as obras de arte passaram. Os restauros de Serafin ajudaram a recuperar o domínio da tradição da escultura, perdido no acesso às obras de arte através de reproduções fotográficas. Desconsiderada como reprodução “não-interpretativa”, a fotografia de obras de arte, tal como os calcos de gesso de obras tridimensionais foram ironicamente apropriados pela História da Arte e pelos museus de cópias por se tratarem de objetos ocultos ou transparentes; foi a suposta inexistência de condição visual e até material que permitiu aos objetos reprodutivos serem utilizados como “genuínos”.
No entanto, no presente caso, mais do que destruídos, estes gessos tornaram-se autónomos. As fotografias de Serafin não são autorais e seguramente não procuram esteticizar a brutalidade da guerra; em vez disso, revelaram a capacidade do meio fotográfico se inventar. A fotografia, também ela reprodutiva, evidencia a capacidade de se distanciar do objecto de arte em si mesmo, para o documentar tal como ele se encontra num determinado espaço e ao longo do tempo. Se a fotografia era considerada um meio de preservação da destruição das obras de arte desde a sua origem, as fotografias de Serafin são como o retrato de Dorian Gray, que envelhece enquanto os gessos mantêm a sua aparência através de sucessivos restauros. Como consequência do seu valor documental, o museu condenou estas fotografias à invisibilidade. Alguns dos negativos de vidro de Stefano Serafin sobreviveram à Segunda Guerra Mundial e ao desinteresse institucional pela reprodução fotográfica. Hoje, eles próprios no seu limite de sobrevivência, são os últimos registos materiais dos gessos originais de António Canova e o seu valor imagético torna visíveis os processos da história que a obra de arte esconde.
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Vasco Célio, Aspetos da exposição, 2017
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A exposição Arte em estado de guerra, fotografias de Sandro Serafin, está patente no CIAJG – Centro Internacional de Arte José de Guimarães, em Guimarães, de 28 de Janeiro a 11 de Junho de 2017.
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