MANUEL ALVAREZ BRAVO, ENCONTROS DE FOTOGRAFIA DE COIMBRA, 1987

115 anos do nascimento de Manuel Alvarez Bravo (Cidade do México, México, 04.02.1902 – Cidade do México, México, 19.10.2002)

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Manuel Alvarez Bravo

Manuel Alvarez Bravo

Fotografia: Manuel Alvarez Bravo / Texto: Diego Rivera, André Breton

Coimbra: Encontros de Fotografia de Coimbra / Nov. 1987

Português / 21,0 x 21,0 cm / 32 págs não numeradas

Brochura

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Nos 8.ºs Encontros de Fotografia de Coimbra (E.F.C.), que tiveram lugar de 5 a 15 de novembro de 1987, foi apresentada uma exposição retrospetiva da obra de Manuel Alvarez Bravo, no Museu Nacional Machado de Castro, vindo a haver uma conversa com o autor, no Hotel Avenida, à beira-rio, a 19 de novembro, ao fim da tarde.

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António Bracons, Manuel Alvarez Bravo, Coimbra, 19.11.1987

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Recordo que a sua mão direita calçava uma luva branca: para esconder o negro causado pelos químicos de revelação das fotografias.

Alvarez Bravo, então com 85 anos, “é o último dos grandes mestres mas, ao invés de muitos dos seus ilustres contemporâneos, mantém ainda intacta a genialidade criadora” (Jorge Calado, Expresso, 21.11.1987), apresentou um conjunto das suas fotografias mais conhecidas. Como muitos, foi a primeira vez que tomei contacto com a sua obra, através de originais.

As fotografias expostas eram essencialmente da sua obra mais conhecida, abarcando o catálogo imagens entre 1931 e 1967.

O catálogo, editado sob a direção de Albano da Silva Pereira, diretor dos Encontros, e com grafismo de Guilherme Valente Alves, foi organizado pelos E.F.C. e pelo Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, e reproduz 19 fotografias da exposição.

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O catálogo inclui ainda dois textos, o primeiro, de Diego Rivera (Guanajuato, México, 08.12.1886 – Cidade do México, México, 24.11.1957), um dos principais pintores e muralista mexicano e marido de Frida Khalo:

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Manuel é um hipersensível, de mentalidade incisiva e profunda, aberta a todas as experiências e propícia a todas as inquietações.

Quando ele sentiu a necessidade de se exprimir, não foi por acaso que escolheu fazê-lo através da fotografia. A técnica rigorosa e precisa deste meio era sem dúvida a que menos ameaçava interpôr-se entre a sua sensibilidade e a obra. Por isso, uma poesia discreta e profunda, uma ironia desesperada e fina surgem da fotografia como partículas suspensas no ar, que tornam visível um raio de luz a penetrar num quarto obscuro. As partículas emotivas chegam até nós em voo lento e contínuo ao ponto de nos saturarem vagarosamente. Não se trata jamais de uma descarga eléctrica instantânea e violenta. Nem faísca, nem relâmpagos, nem brancos nem pretos violentos, nem linhas que se esvanecem com velocidade.

É uma chuva ténue, contínua e miúda que empapa paulatinamente os nossos nervos e nos penetra até à medula dos ossos.

Por isso a FOTOPOESIA de Manuel não é dos claros-escuros, dos pretos ou brancos; nem sequer quando dialoga com a morte e nos oferece o perfume esplêndido do derrame de sangue quente.

Estabelece analogias entre formas possuidoras de pureza plástico-emocional.

Sabe dar à imagem produzida através da câmara um exacto valor de sonho, com uns instrumentos inteiramente desprovidos de grandiloquência e pomposidade.

Sobriedade de elementos, sem violências de linha, sombra ou luz; sem gestos dos membros ou esgares, dentro da íntima maranha de fios que cobrem a vida, exprime toda a luta e as tragédias de classe dos anos e dos dias. E manifesta as perversidades dos reflexos, da transubstanciação das coisas por cima e por detrás das aparências.

E sabe da densidade exacta das mágoas que formam as sombras e penumbras sobre os passeios banais e quotidianos, entre as portas e as janelas e as fileiras de árvores lamentáveis que nunca mais acabam de secar ao longo de ruas irremediáveis. E regista com exactidão o grau de humidade que a terra remexida e as gotas de água salgada derramadas proporcionam à atmosfera dos cemitérios.

Matéria flutuante em esferas ocas infinitesimais que vem pouco a pouco a acumular-se sob os arcos adornados de papel que abobadam de vazio os sepulcros, à luz das chamas das velas em que se derrete a memória dos finados.

As clarabóias e os montículos de vidros partidos, que bem puderam ser a causa do emprego de tantas ligaduras, enredadas à volta dos braços, das púbis e das coxas, a apertar os tornozelos e os pulsos, chegam para exprimir por completo o terror secreto dos presságios.

E o movimento a surgir lentamente da mulher nua, índia e linda, revela sem paisagens o milagre das manhãs nos vales, sobre os lagos e as montanhas.

As conexões entre braços e torso, entre perna e coxa, sugerem cadeias de montanhas iluminadas pelo sol através do nevoeiro matinal e mostram a medida exacta da frescura e da qualidade da luz e toda a altura e profundidade das celagens.

E os brancos das núvens e dos linhos, que secam ao sol tendidos nas paisagens, ficam objectivados em fantasmas tangíveis, procedentes dos mais baixos fundos das nossas reservas emocionais milenárias, que se encontram também contidos, com toda a sua terrível velhice, na sujidade de todos os muros carcomidos e dos troncos rodados e mortos.

E às sombras de uma simples grade, sobre paredes e degraus sem qualquer importância, surgem de novo, a uma realidade espantosa e espectral, as arquitecturas formidáveis de um México de há mil anos.

Porque a fotografia de Manuel Alvarez Bravo é mexicana por causa, forma e conteúdo, nela a angústia é omnipresente e a atmosfera está sobrecarregada de ironia.

Embora a Vida, esplêndida, crave os dentes em crânios de açúcar para adoçar os dias de finados, quando o fotopoeta possui uma mulher subtil e bela, mais tarde chega ao horror de uns antolhos sobre o rosto de um manequim inteiramente cheio de ameaças, e o que é que pode ser feito se um vestido vivo mas vazio fica à espera, para fazer constar que a posse do conteúdo, mulher, é, na realidade, tão impossível como evitar as razões que actuam sobre as substâncias que produzem a imagem fotopoética através da máquina que põe em andamento a sensibilidade de um homem?”

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O segundo texto é de André Breton (Tinchebray, França, 19.02.1896 – Paris, França, 28.09.1966), escritor, poeta e teórico do surrealismo, que Alvarez Bravo conheceu em 1938, e é do prefácio à exposição «Mexique», 1939:

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A fotografia contentou-se em geral de nos revelar o México pelo ângulo fácil da surpresa tal como o olhar do estrangeiro a pode experimentar em cada volta do caminho. Daí resultou o mais eclético e o mais decepcionante documentário que conheço, em que os sítios panorâmicos, as danças indígenas e a arquitectura barroca da colonização pagam obrigatoriamente as culpas principais. Ao folhear estes montes de impressões fugazes como ao perceber no local este «déclio> contínuo, maquinal, fundamentalmente insensível, duvidaríamos que com tal meio se pudesse penetrar na alma do país. É indispensável ter nela participado desde a infância e desde então continuar a interrogá-la apaixonadamente para a poder desvendar por inteiro. Foi isso que conseguiu fazer M. Alvarez Bravo nas suas composições de um realismo sintético admirável, do qual não conheço aqui equivalente.

Todo o patético mexicano está exposto ao nosso alcance: onde Alvarez Bravo parou, onde se demorou a fixar uma luz, um sinal, um silêncio, não é apenas onde bate o coração do México mas também onde o artista pôde adivinhar com um discernimento único, o valor inteiramente objectivo da sua emoção. Ajudado nos grandes movimentos da sua inspiração pelo mais excepcional sentido da qualidade e ao mesmo tempo por uma técnica infalível, Manuel Alvarez Bravo com o seu «Operário morto numa briga» elevou-se ao que Baudelaire chamou o estilo eterno.”

 

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Manuel Alvarez Bravo, Encontros de Fotografia de Coimbra, 1987

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Após a presença em Coimbra, a exposição esteve exposta no Palácio da Cidadela, em Cascais, de 21 de novembro a 6 de dezembro de 1987, a única que o catálogo faz referência, “Exposição de Homenagem promovida por Sua Excelência o Senhor Presidente da República”, ao tempo, o Dr. Mário Soares.

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Foi através desta e de muitas outras exposições que os Encontros de Fotografia de Coimbra mostraram em Coimbra – e não só – muita da fotografia, histórica e contemporânea que se fez e faz e nos ensinou e habituou a ver fotografia. Para a nossa cultura fotográfica, foram fundamentais, a par, também, dos Encontros da Imagem de Braga. Paralelamente às exposições, workshops e encontros ou conversas com os fotógrafos faziam parte do programa.

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Manuel Alvarez Bravo pôde ser visto novamente em Portugal em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, em 2005, a exposição Muito Sol, integrada no programa “A magia do México”.

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