DUAS FOTOGRAFIAS, JORGE MOLDER E DANIEL BLAUFUKS, 2002
Por vezes há fotografias que nos lembram outras. Há fotografias relativamente idênticas, de origem próxima ou não, de um mesmo tempo, ou não.
Em 2003, Daniel Blaufuks publicou Collected Short Stories (Power Books, 2003), fotografado entre 2000 e 2002 em nove países. É um conjunto de pequenas histórias, cada uma composta por duas fotografias e um título que indicia a história à imaginação de cada um e à vivência de Blaufuks. Este vê o mundo – o seu e o dos outros, por onde passa – e apresenta-o nas suas obras. A capa destas “histórias” é a fotografia “I spy” (eu vejo, eu espio): um auto-retrato, de binóculos, de frente.
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Jorge Molder encerra a sua exposição “Circunstâncias atenuantes”, de 2003 (Lisboa 20 Arte Contemporânea), com uma fotografia que é (como toda a exposição) uma auto-representação: de binóculos, de frente.
Estas duas fotografias têm muito em comum, que as aproxima e, ao mesmo tempo, as afasta.
São ambos homens.
São ambos descendentes de judeus.
São ambos exilados.
Vivem ambos em Portugal.
São ambos errantes pelo mundo.
São ambos fotógrafos.
São ambas de 2002.
São, ao tempo em que foram apresentadas, ambas do então último trabalho de cada um.
São ambas imagens que apresentam os próprios fotógrafos.
São ambas de frente.
São ambos de expressão séria.
Estão ambos com pequenos binóculos.
São ambos seguros com a mão esquerda.
O fundo de Molder é preto, o de Blaufuks, claro.
Os binóculos de Molder são pretos, os de Blaufuks, claros.
Os binóculos de Molder reflectem o preto, os de Blaufuks, uma construção.
A fotografia de Molder mostra apenas a expressão: prolonga-se da testa ao queixo; a de Blaufuks é o rosto integral, apenas uma pequena parte do cabelo é cortado.
A fotografia de Molder é uma auto-representação; a de Blaufuks é um auto-retrato (“I spy”).
A fotografia de Molder encerra a exposição.
A de Blaufuks é a capa do livro, abre a exposição.
Molder sai de si, olha para fora, olha para o espectador, procura encontrar-se fora de si, procura encontrar-se mais profundamente, encontrar-se a si, o seu mundo interior, como o mundo passou por si.
Blaufuks sai de si, olha para fora, olha para o espectador, procura encontrar fora de si, procura encontrar mais longe, encontrar o outro, o mundo global onde vive e do qual faz parte.
Molder nasceu em 1947; Blaufuks nasceu em 1963.
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