O REI E O MENDIGO, CARLOS RELVAS, 1876-1878
A propósito da igualdade, que a fotografia veio aproximar.
A fotografia, ao tornar a imagem de cada um acessível, veio contribuir para a igualdade entre as pessoas, para a democratização da sociedade.
Até à descoberta da fotografia, a imagem de cada um só era possível através da pintura ou do desenho, privilégio das classes mais abastadas. As classes mais desfavorecidas não tinham posses para custear o seu retrato.
A fotografia, primeiro através do daguerreótipo e sobretudo mais tarde, a partir dos anos 1860, através dos processos de colódio e de albumina, com o negativo em chapa de vidro e a impressão em papel, com a facilidade de múltiplas cópias, bem como o maior número de fotógrafos, tornou-se relativamente económica e, portanto, mais acessível a todos. E desde então, cada vez mais.
Não eram apenas os nobres e a burguesia a terem acesso à sua imagem – ao seu retrato – mas qualquer pessoa poderia ter, também, o seu retrato: bastava entrar, pagar o custo… Muitas vezes, o estúdio tinha roupas e acessórios que permitia a quem queria a sua fotografia apresentar-se com dignidade.
Por outro lado, para além dos estúdios profissionais, havia os fotógrafos amadores, responsáveis também pela realização de retratos.
Carlos Relvas, rico proprietário da Golegã, onde tinha o seu estúdio – neste ou ao ar livre, em cenários naturais ou pintados, dedicava-se a fotografar não apenas a sua família, como ilustres personalidades do seu tempo, muitas que visitavam a casa, mas também figuras caraterísticas da sua terra: campinos, lavradores, mendigos e outros.
A igualdade que a fotografia veio permitir, está patente na exposição Fotografia Portuguesa do Séc. XIX, patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea / Museu do Chiado (ver aqui), através de duas fotografias de Carlos Relvas (1838-1894), apresentadas lado a lado: o Rei e o Mendigo.

Lado a lado estão os dois homens, em dimensão muito semelhante, em diferentes trajes, na parede do Museu do Chiado.
Para Carlos Relvas, fotografar o rei foi, sem dúvida, uma honra.
Para o rei, ser fotografado por Carlos Relvas, seu amigo e um dos mais importantes e reconhecidos fotógrafos do seu tempo, terá sido, também uma honra. Por outro lado, a sessão de retrato – tenha sido na Golegã ou em Lisboa – terá sido agradável e diferente do que se tivesse sido com outro fotógrafo: tratava-se de uma relação de amizade, de um amigo que fotografa outro amigo, com uma facilidade e descontração de diálogo que provavelmente não haveria se fosse outro que se escondesse atrás do pano preto.
Para o mendigo, ser fotografado por Carlos Relvas foi talvez… simpático. Significou eventualmente uma moeda ou alguma(s) melhor(es) refeição(ões).
Para Carlos Relvas, foi mais um registo para o seu álbum de figuras caraterísticas ou populares, mais um retrato curioso, pitoresco ou interessante.
O rei recebeu a fotografia de Carlos Relvas, com gosto, deu-lhe destaque numa moldura ou num álbum.
Não sei se o mendigo recebeu alguma impressão da sua fotografia; se a recebeu, qual o seu gosto e orgulho e arrumo: um local de destaque na sua casa – se a tinha, ou direita e protegida ou simplesmente dobrado o seu cartão, num bolso…
O rei está direito, está virado para a esquerda a um quarto, bem penteado e barba cuidada, como o rosto, sereno, com o seu fato cuidado.
O mendigo parece um pouco curvado, está virado para a direita a um quarto, o cabelo e a barba penteados mas algo desalinhados, a face enrugada, o olhar triste e envelhecido, com uma roupa larga e grosseira.
O rei olha em frente, os olhos claros.
O mendigo olha para baixo, mal se percebem os olhos.
O rei é D. Luís.
Do mendigo não sabemos o nome.
Aqui, apresentam-se lado a lado, com igual importância.
Rei D. Luís, 1876 / Fototipia / 8 x 10.5 cm / Coleção Casa Museu Carlos Relvas, inv. 00468/023/01.
Mendigo, 1876-1878 / Fototipia / 9 x 13 cm / Coleção Casa Museu Carlos Relvas, inv. 5036.
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