O PARAÍSO DE LARA JACINTO E O TERRITÓRIO DE MARIA GRUZDEVA

As exposições integram o IMAGO LISBOA Photo Festival, na SNBA – Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, de 8 de setembro a 7 de outubro de 2023.

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A apresentação na mesma sala, em paralelo, das séries “Paraíso”, de Lara Jacinto e “The Territory”, de Maria Gruzdeva, que também integra um vídeo, apresentado na pequena sala posterior, permite acrescer um conjunto de múltiplas leituras a cada uma das exposições.

Se a exposição de Lara Jacinto encerra em si múltiplos contrastes, entre o suposto paraíso de uns e a realidade dos outros que mantêm esse ‘paraíso’; o que é a realidade e o que é a ficção; o que é para uns e o que é para outros; de igual modo essa questão se poderia colocar n’O Território de Maria Gruzdeva. O espaço da ciência afigura-se(-me) mais como, de facto, ‘um paraíso’, face ao território de Lara Jacinto. Ou se o é (um paraíso), será por ser um espaço natural e não uma construção fictícia, fabricada… Uma paisagem natural e respeitada. E, assim, também, na vida de quem lá  está e na sua vivência. Mas é longe de tudo… Paraíso para quem vê de fora? Paraíso para quem vive lá dentro?…

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LARA JACINTO, PARAÍSO

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Paraíso sintetiza a ideia de construção de lugar ideal. Vemos transportado para a paisagem o exotismo de outros lugares, permitindo a cada um que se instala inscrever no território uma espécie de ideal universal de paraíso, num movimento que atropela e dissolve, cada vez mais, as características culturais próprias do território ocupado.
Neste espaço de ondulações culturais, económicas e sociais, coabitam diferentes realidades que raramente se cruzam: por um lado os que procuram momentos de prazer proporcionados pelas atracções turísticas, típicas de zonas balneares; por outro os que vivem nos bastidores desta ficção.

Em Paraíso surgem micro-histórias de pessoas que vivem e trabalham no concelho de Lagoa – Algarve. Oriundas de outros pontos do mundo, vislumbram uma oportunidade de trabalho e uma vida melhor, mas também a busca de liberdade, ou um sonho que os acompanha desde a infância, num cenário azul onde a felicidade pode ser possível.

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Lara Jacinto, Lagoa, 2019

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Lara Jacinto, Paraíso

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António Bracons, Aspetos da exposição, 2023

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MARIA GRUZDEVA, THE TERRITORY

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“O Território” é o termo usado por alguns investigadores para se referir às áreas naturais protegidas onde vivem e trabalham. Esta série fotográfica é sobre estes investigadores e a sua missão de preservação destes ambientes pristinos.

Se é verdade que as alterações climáticas se tornaram uma evidência inegável e a humanidade tem de lidar diariamente com as consequências da atividade humana, também é verdade que ainda existem na Terra alguns lugares praticamente intocados. Mantê-los em estado pristino requer um esforço enorme. Não é surpreendente que estes locais se situem nas áreas mais inacessíveis do planeta. Muitas vezes, são criadas Reservas Naturais e instaladas bases científicas para proteger estas áreas.

O projeto fotográfico “Território” debruça-se sobre estas áreas e os cientistas de várias disciplinas – biólogos, ecologistas, meteorologistas – que vivem em bases científicas remotas, em parques e reservas naturais na Rússia. Alguns destes especialistas são nativos destes locais, enquanto outros deixaram as cidades onde viviam, deixando para trás a sua vida social, para viver em pequenas aldeias ou bases remotas. Independentemente de donde vêm, são inteiramente dedicados à sua missão de preservar e salvar estas áreas, a sua riqueza natural e vida selvagem abundante.

Este projeto explora o seu modo de vida em quase completo isolamento, e as suas tradições, que frequentemente passam de uma geração de investigadores dedicados à seguinte. Esta série oferece um olhar único sobre o conceito idílico de coexistência harmoniosa entre o ser humano e o mundo natural, algo que não nos podemos permitir perder.

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Maria Gruzdeva, The Territory

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António Bracons, Aspetos da exposição (e vídeo), 2023

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As exposições desta  5.ª edição do IMAGO LISBOA Photo Festival tiveram início com as séries de Lois Cid, “Estruturas de Fusión” – Prémio Galícia de Fotografía Contemporânea (que mostrei aqui); e os projetos de Lara Jacinto, “Paraíso” e “The Territory”, de Maria Gruzdeva, estes em paralelo (Gruzdeva integra ainda um vídeo), no piso inferior da sala Fernando de Azevedo, da SNBA – Sociedade Nacional de Belas Artes, na Rua Barata Salgueiro, 36, em Lisboa, de 8 de setembro a 7 de outubro de 2023.

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Sobre a presente edição do IMAGO LISBOA Photo Festival escrevem os curadores:

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APRESENTAÇÃO

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Chegámos à 5ª edição. De repente passaram cinco anos desde a primeira edição do Imago Lisboa. Ao longo deste período fomos estabelecendo várias parcerias e colaborações, quer individual, quer coletivamente, com diversas entidades ligadas à fotografia.

No âmbito dos nossos objetivos, criámos na capital, um acontecimento regular que tem aberto portas a todos que, mutuamente, connosco querem colaborar na divulgação e reflexão da fotografia de autor.

Apresentámos exposições inéditas de autores internacionalmente conhecidos e que, pela primeira vez vieram a Portugal. Temos exposto valores emergentes da fotografia internacional a par de reconhecidos autores nacionais. Temos, enfim, contribuído para o debate e reflexão de diversos temas da fotografia contemporânea.

Esta edição que agora se apresenta, desenvolve-se no quadro do EMOP (European Month of Photography) estrutura que o Imago Lisboa integra. O projeto comum do EMOP desenvolve-se, este ano, sob o conceito de Repensar a Identidade (Rethinking Identity). É um conceito abrangente e que, para além de explorar a identidade humana, circula também pela identidade cultural e territorial.

A par dos diversos núcleos expositivos temos um conjunto de atividades que, de modo natural, acompanham um festival: atividades formativas, dirigidas a várias ascendências sociais e níveis etários; mostras de livros de fotografia; conferências, debates informais e projeções, completam a programação que desejamos seja do agrado público em geral e, em particular, daqueles que têm as questões da fotografia como foco.

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2. CONCEITO CURATORIAL

Repensar a identidade pode levar-nos por caminhos diferentes.

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Quando falamos de identidade, tendemos a pensar na identidade humana. Que tipo de características nos identificam? Exteriormente, apresentamos a nossa fisionomia e somos classificados de acordo com a cor da pele, sexo, cor dos olhos, penteado e assim por diante. Mas o conceito torna-se mais complexo quando passamos ao estado psicológico de um indivíduo. Com que nos identificamos? Que atributos identitários nos distinguem, quais rejeitamos, descartamos, quais queremos alterar ou dissolver? Aí, há um vasto conjunto de dimensões, que vão desde aspetos intrínsecos ao indivíduo, à educação recebida e ao processo de socialização. Assim, à identidade física de cada pessoa junta-se todo o conjunto de experiências, traumas, memórias e relações que constituem a identidade de cada um de nós. A identidade é construída à medida que o processo de socialização se desenvolve. Estabelecemos relações que nos influenciam, experiências e traumas que nos marcam.

No entanto, para além da identidade individual, podem ser abordadas outras tipologias deste conceito:

A identidade cultural que pode tomar forma em pequenas comunidades indígenas, em determinadas etnias ou mesmo em uma determinada identidade territorial. Podemos pensar, por exemplo, no povo Sami no norte da Europa, nas comunidades da Amazônia, nos aborígenes australianos ou mesmo nos bantu em África. No período colonial, várias nações europeias procuraram impor a sua cultura aos povos colonizados e, com essa política, anular a identidade cultural indígena. No entanto, muitas destas culturas resistiram e mantiveram, de forma patente ou camuflada, a sua identidade cultural, que sobreviveu através, por exemplo, da língua, das histórias, de alguns rituais ou costumes ancestrais. Hoje, grande parte do património cultural dos povos colonizados faz parte dos acervos dos museus europeus. Mas existem também, muitas vezes, pequenos objetos, com marcado valor simbólico, que são resgatados e relembrados nas práticas artísticas atuais.

Analogamente, existem diferentes identidades territoriais, que são consequência de fenómenos naturais ou da ação direta do homem no ambiente onde vive. A região ártica, a floresta tropical ou o deserto configuram diferentes identidades territoriais. Num mundo cada vez mais global, observamos que diferentes identidades vão perdendo a sua matriz original através de diferentes processos de contaminação que geram novas identidades.

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Curadores:

Delphine Dumont – Photo Brussels, Brussels

Emmanuelle Halkin – Circulation(s), Paris

Felix Hoffmann – FOTO WIEN, Vienna

Maren Lübbke-Tidow – EMOP Berlin, Berlin

Paul di Felice – EMOPLUX, Luxembourg

Rui Prata – Imago Lisboa photo festival, Lisboa

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A Agenda das exposições e eventos do IMAGO LISBOA Photo Festival 2023, no FF, aqui.

Mais informação no site da organização, aqui.

Sobre esta e as edições anteriores no FF, aqui.

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Cortesia: IMAGO LISBOA Photo Festival.

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