BRUNO SILVA, COIMBRA B
A exposição integra os Encontros da Imagem 2021, exibe-se no Porto, na Galeria Adorna Corações, R. do Rosário 147, de 17.09 a 31.10.2021.
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NESSA COIMBRA FRAGMENTADA
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Diz-se que a vida é uma passagem. Somos seres em permanente mutação, pautados por relações ora estabelecidas, ora quebradas, resultado de eternas chegadas e partidas.
Em Portugal, onde o trânsito decorre grandemente entre Porto e Lisboa, Coimbra encontra-se a meio caminho, fácil e imediatamente imaginada como cidade de contacto transitório, superficial.Toda a moeda tem dois lados – o lado A e o lado B. Coimbra é-nos contada pelo primeiro, o lado nobre onde o A é de academia, da alta, dos arcos. A explosão da vida universitária, do prestígio de ser doutor, das serenatas à chuva no adro da Sé; uma vida que reflete o fulgor de um lume que depressa emerge e depressa se extingue. Todavia, para quem a vive profundamente, a entrada é feita pelo outro lado. Os pés pisam a plataforma de coimbra-b, a estação de comboios que pulsa ao som da vívida campainha, a primeira face da cidade que nos recebe e a última a despedir-se de nós. Daí até ao centro vão viagens múltiplas pelo B de baixa, cujo bilhete se circunscreve a quem é despertada a curiosidade e a ousadia de se abrir à imprevisibilidade das ruelas ziguezagueantes a meia luz.
Apercebemo-nos então que nos é vendida apenas uma fração de Coimbra. Coimbra fragmentada. A euforia contagiante dos desfiles académicos e da imponente Universidade é coisa lapidada que serve bem aos livros e às letras. Fantasias dos cartões-postais que registam a visita fugaz do turista. Não é mentira, mas faltam capítulos nesta narrativa.
Alguém, que todos conhecemos, uma vez disse “a cidade está deserta e alguém escreveu o nosso nome em toda a parte”. Esta é a melhor manifestação da melancolia, na qual Coimbra materializa a vida passada. Nesse banco onde me sentei enquanto rias à janela ousando saltar ao telhado, atrás do qual a fenda no estuque persiste em forma de trovão. Naquela casa onde jurei que o papel de parede era o mais bonito que já vi, o rasgão aumenta timidamente e ninguém o repara. O graffiti ao subir da rua incentiva-nos à mesma revolta. A calçada para quem desce continua escorregadia, melhor agarrar os amigos, ao atravessar. Hoje sei: quer se esteja à distância ou próximo, comprovamos que o tempo passou apenas por nós. E o prazer da descoberta é um impulso viciante, para dele depressa restar a sensação agridoce da perda. Está tudo como dantes, mas as pessoas foram-se. A leviandade da cidade é maior do que todos nós e a fugacidade dói. Ficamos assim, entre o enamoramento frágil e a dureza triste da realidade. Se há coisa que não se define, nem se suspende no tempo em Coimbra, é o sentimento. Só se acumula, cada vez mais pesado, nostálgico. É amor-ódio personificado. Para nos lembrar que a saudade que cravamos no peito desta cidade também é “uma doença quando nela julgamos ver a nossa cura”.
Coimbra-b não é um trabalho romântico. É a verdade que nos persegue e persiste, a de que a vivemos em dois tempos, e apenas quando afastados entendemos que carregávamos a ideia volátil de que voltaríamos, sem nunca nos fixar. Afinal nenhum lugar terá jamais o potencial de nos fazer apaixonar facilmente sem sofrimento. O que não nos atinge, não toca. O que não nos toca, não fica. É assim Coimbra, mas podia ser qualquer outro local. A mensagem é universal. A experiência essa, como de qualquer outro alguém, única. Esta é a do Bruno. Quem se aproxima das imagens, talvez a descubra. Mas, por certo, só quem viveu Coimbra a reconhecerá.
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Mafalda Ruão Porto, Abril 2021
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Bruno Silva, Coimbra B
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A exposição de Bruno Silva, “Coimbra B”, integra os Encontros da Imagem 2021, pode ser vista no Porto,na Galeria Adorna Corações, na R. do Rosário 147, de 17 de setembro a 31 de outubro de 2021 (Sexta e Sábado: 14h30 -19h30. Noutro dia, por marcação, <estefaniar.dealmeida@sapo.com>).
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Bruno Silva, Portugal, 1983
Utiliza a fotografia como veículo em projetos na area documental / pessoal com especial interesse no território e na memória.
Em 2014 começou a apresentar os seus trabalhos publicamente.
Desde 2017 que expõe regularmente em Portugal.
Em 2018 terminou o Master em Fotografia Artística no IPCI, Porto.
Em 2017 ganhou a bolsa Fotografia Documental Emergente da Manifesto/IPCI
Em 2018 ganhou uma bolsa do festival “Estação Imagem”, Coimbra
Em 2020 foi um dos vencedores da Urbanautica Institute Awards.
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Sobre esta edição dos Encontros da Imagem, escreve a Direção:
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Génesis 2:1, foi o tema escolhido para a 31ª edição dos Encontros da Imagem – Festival Internacional de Fotografia e Artes Visuais.2021, que este ano decorre entre 17 de setembro e 31 de outubro. Entre as muitas outras atividades, o Festival engloba 47 exposições distribuídas por 25 espaços distintos, envolvendo a participação de 64 fotógrafos.
“Génesis 2:1” dá continuidade ao tema do ano passado e, nunca um tema escolhido, se enquadrou tão bem no contexto da atualidade.
Um ano depois, voltamos também nós e todo o mundo – em resultado da crise pandémica provocada pelo Covid-19, de novo, a ter que passar por um confinamento generalizado.
Gerou-se a confusão e o caos. Uma incapacidade coletiva para compreender a desordem das coisas, confrontando a humanidade com desafios cada vez mais complexos e exigentes.
A sociedade contemporânea está desde há muito, perante enormes desafios de carácter global: desde as questões relacionadas com o planeta e os seus problemas ecológicos – perda da biodiversidade, alterações climáticas, aquecimento e contaminação – até às civilizações que o habitam, onde muitas delas geram novas desigualdades e indiferença moral – regimes políticos, religiosos, fronteiras, refugiados, racismo, questões de género e muitas outras.
Aquilo a que chamamos progresso, não só deixou de coincidir com a humanização do mundo, como pode acabar por ditar o seu fim. Urge encontrar soluções para acabar com as desigualdades e indiferença em relação ao sofrimento de milhões de pessoas.
Uma interrogação se pode colocar: que futuro nos espera? A crise em que vivemos constitui uma oportunidade para que todos encontremos causas comuns e discutamos as melhores soluções para o que deva ser feito.
Assim, e também com o objetivo de alerta, muitas das exposições agora apresentadas no âmbito dos Encontros da Imagem, para além do seu lado estético, abordam algumas das questões pertinentes que o mundo contemporâneo hoje vive.
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Pode conhecer melhor o trabalho de Bruno Silva no FF, aqui.
Pode ver no FF a Agenda dos Encontros da Imagem e sobre outras exposições dos Encontros, aqui.
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Cortesia: Encontros da Imagem
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