EDUARDO LOURENÇO (1923–2020)

(São Pedro de Rio Seco, Almeida, 23 de maio de 1923 – Lisboa, 1 de dezembro de 2020)

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António Bracons, Eduardo Lourenço, Coimbra, 08.12.2011

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Uma das vezes em que tive oportunidade de ouvir Eduardo Lourenço foi há quase 9 anos, a 8 de dezembro de 2011, tinha então 88 anos.

Tínhamos sido convidados pela então Direção do CADC, em Coimbra. Eu, para fazer uma pequena exposição de fotografia sobre o CADC. Eduardo Lourenço para uma conferência sobre Portugal e a Europa.

Recordo a simpatia, a frescura, as palavras serenas, maturadas, o sorriso franco.

Gostava de o ouvir, gosto de o ler, os seus escritos e entrevistas. Pensador, filósofo, professor. O gosto de ser português, o conhecimento profundo, refletido, de Portugal, das suas gentes, da sua história, da sua mentalidade, da sua geografia: de tudo o que faz um povo e uma nação. Mas também a simplicidade, de quem nasceu na Beira Interior, raízes de que se orgulha.

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Na página de internet de Eduardo Lourenço, logo a abrir, encontro este texto, que não resisto a transcrever:

De todas as palavras que eu disse, nenhuma me surpreendeu tanto. O excesso de espanto tornou-a opaca. Muitos pensaram que eu tinha escolhido as parábolas para me conformar com as vestes do tempo. Escolhi-as para ir sem sombra à praia desnuda da verdade que é filha do tempo mas não tem tempo. Cada verdade é um estilhaçar da eternidade do tempo. Quando me cheguei a ver vivo no meio do mundo, recolhi no meu coração toda a luz do homem. Do meu eterno presente corria para a alvorada dos tempos e também ao encontro dos que ainda não existem numa luz unida, sem começo nem fim. A minha luz, a luz de Deus em mim, eu como luz de Deus, era uma só coisa. Por isso eu existia antes que Abraão existisse. Abraão não tinha ainda descoberto ainda que ele era a luz de Deus. Abraão é da linhagem humana um homem que vem depois de outro, o homem de uma viagem que prossegue sem conduzir o viajante ao lugar onde ele sempre esteve sem o saber. Eu soube que estava antes de Abraão e Jacob, porque só eu soube que um homem não pertence à linhagem humana mas está directamente ligado à fonte infinita. Também podia ter dito que estava antes do céu e das constelações porque em mim o seu ser se converte em vida e verdade.

A Natureza teve de esperar a minha chegada para ser Natureza. Ela não o é senão num momento em que nos tornámos homens. E isto não aconteceu num certo dia, mas sempre e nunca, porque ninguém sabe ainda o quer isso significa – ser um homem – e por consequência ninguém sabe ainda o que é a Natureza. Da Natureza só podemos ter uma visão negativa. É tudo o que somos quando nos vemos a nós mesmos como seres que não são naturais. Mas quem se atreve a conceber-se fora da Natureza? O que nos é absolutamente natural é contemplarmo-nos como irmãos da lua, do sol, da água, dos rios, das folhas, dos pássaros ou dos tigres, irmãos de leite da natureza que se distraiu um momento e que inventou olhos para se ver viver. […] Eu disse uma vez que nenhum esplendor humano pode igualar o do lírio dos campos. Mas é porque os olhava no espelho de Deus, nos meus próprios olhos. Quem, se não formos nós, pode subtrair a beleza do mundo ao seu apodrecer futuro? Como eu existia antes de Abraão e Jacob, também existia antes dos pássaros, do céu e dos lírios dos campos. Mas nunca teria podido ser quem sou se não houvesse pássaros e lírios dos campos. Eles esperavam-me, eu esperava-os. Juntos tornámo-nos, eu, um homem que associa a sua felicidade á beleza do mundo, dos pássaros e dos lírios dos campos, eles, figuras à espera de um só olhar que os acorde do sono da terra ao qual estão destinados. Ao qual tudo está destinado se eu não morrer por eles para os salvar do nada onde já estavam antes que Deus desenhasse com eles o firmamento do meu coração”.

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In Público, 20/3/2000, cit. por Maria Manuela Cruzeiro/Maria Manuela Baptista Tempos de Eduardo Lourenço – Fotobiografia, 2003 Porto, Campo das Letras, pág. 131.

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Eduardo Lourenço de Faria é o mais velho de sete filhos de Abílio de Faria, capitão de Infantaria, e de Maria de Jesus Lourenço. Em 1932, muda-se para a Guarda e em 1934 ingressa no Colégio Militar.

Obtém a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra em 1946, sendo assistente da Faculdade de Letras entre 1947 e 1953. Em 1949 publica a sua primeira obra, “Heterodoxia”.

Em 1949, com uma bolsa do Programa Fulbright, realiza um estágio na Universidade de Bordéus 2, É Leitor de Cultura Portuguesa entre 1953 e 1955 nas universidades de Hamburgo e Heidelberg e na Universidade de Montpellier de 1956 a 1958. Casa-se com Annie Salamon, em Dinard, em 1954. Depois de um ano a leccionar na Universidade Federal da Bahia, como professor convidado de Filosofia, regressa a França em 1960. Foi leitor na Universidade de Grenoble de 1960 a 1965 e Maître Assistant na Universidade de Nice até 1987, passando a maître de conferences em 1986, jubilando-se em 1988. Nesse ano foi-lhe atribuído o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon, pela sua obra “Nós e a Europa ou as Duas Razões”.

De 1989 a 1991, assume funções como conselheiro cultural junto da Embaixada Portuguesa em Roma e desde 1999 ocupava o cargo de administrador (não executivo) da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Tomou posse em 7 de abril de 2016 como Conselheiro de Estado, designado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Foi autor de vastíssima obra escrita, quer em português, quer em francês e traduzida em várias línguas. Foi um dos grandes pensadores portugueses do séc. XX e XXI, e no seu tempo, talvez o maior pensador sobre Portugal.

Eduardo Lourenço recebeu, entre outros, o Prémio Camões (1996), o Prémio Vergílio Ferreira (2001), o Prémio Pessoa (2011), a Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra (2001) e da Guarda (2008); recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Rio de Janeiro (1995), pela Universidade de Coimbra (1996), pela Universidade Nova de Lisboa (1998) e pela Universidade de Bolonha (2007), que na ocasião criou a Cátedra Eduardo Lourenço de História da Cultura Portuguesa.

Foi condecorado em Portugal como Grande-Oficial (13.07.1981) e com a Grã-Cruz (21.05.2003) da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (10.06.1992) e com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade (09.06.2014) e em França, como Oficial da Ordem Nacional do Mérito de França (1996), Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França (2000) e Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra de França (2002).

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Pode aceder à página de internet de Eduardo Lourenço aqui, onde pode ler a sua biografia detalhada, ver a sua bibliografia, prémios, distinções e homenagens, bem como ler alguns textos e cartas.

Pode ver a minha série sobre o CADC, no Fascínio da Fotografia, aqui.

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